Cultura

Mesmo a amizade do homem mais poderoso do mundo não salvou Bolsonaro

A carta de Trump a Bolsonaro revela uma amizade política, mas levanta questões sobre interesses estratégicos entre os dois

Com a imposição de uma tornozeleira eletrônica, Bolsonaro enfrenta novas limitações em sua liberdade e comunicação - Foto: Ton Molina/ STF

Reinaldo Polito Publicado em 18/07/2025, às 11h17

O Brasil acordou atônito: A PF (Polícia Federal) fez nesta sexta, 18, operação contra Bolsonaro. Cumpriram mandados de busca e apreensão na residência do ex-presidente e na sede do PL (Partido Liberal) em Brasília. O ministro Alexandre de Moraes determinou a aplicação das medidas cautelares.

Bolsonaro terá de usar tornezeleira eletrônica e ficar recluso em sua residência à noite e nos finais de semana. Está proibido também de usar as redes sociais e não poderá se comunicar com embaixadores e diplomatas estrangeiros, nem com outros investigados e réus.

Parece que o homem que lidera as pesquisas para as eleições à presidência em 2026 só conta hoje mesmo com a única pessoa que poderá lhe estender a mão, o presidente da nação mais poderosa do mundo, Donald Trump. Como essa ajuda poderá ser efetivada ninguém sabe, pois ele não terá como interferir no Judiciário brasileiro.

O único meio, se é que se pode chamar de “efetivo”, é a aplicação de tarifas às exportações brasileiras para os Estados Unidos. Por enquanto a ameaça é de 50%. Com os acontecimentos extraordinários de hoje, nada impede agora que esse percentual possa ser alterado. Encerrar o julgamento de Bolsonaro foi uma das primeiras exigências para não aplicar o tarifaço.

Ontem, Bolsonaro estava esperançoso. Fez um vídeo dirigido a Trump, agradecendo à carta que este lhe havia enviado. Talvez um dos momentos mais inusitados do relacionamento entre os dois “amigos”. Vamos aos fatos.

Trump enviou no dia 17, quinta-feira, uma carta pessoal a Bolsonaro, demonstrando seu apreço ao ex-presidente brasileiro. A admiração do chefe do Executivo dos Estados Unidos é uma demonstração de respeito pelo relacionamento que construíram nos últimos anos:

“Caro Sr. Bolsonaro

Eu vi o terrível tratamento que está recebendo das mãos de um sistema injusto voltado contra você. Este julgamento deve terminar imediatamente! Não estou surpreso em vê-lo liderando nas pesquisas, você foi um líder altamente respeitado e forte que serviu bem ao seu país.

Compartilho seu compromisso de ouvir a voz do povo e estou muito preocupado com os ataques à liberdade de expressão, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, vindos do atual governo.

Manifestei veementemente minha desaprovação, tanto publicamente quanto por meio de nossa política tarifária. É minha sincera esperança que o Governo do Brasil mude de rumo, pare de atacar oponentes políticos e acabe com seu ridículo regime de censura. Estarei observando de perto.”

Essa não é a primeira mensagem de Trump elogiando e defendendo Bolsonaro, mas nunca foi tão enfático. Sem dúvida, o republicano tomou a causa do ex-presidente brasileiro como se fosse sua. Fala sobre o assunto sempre que tem oportunidade, mesmo nas situações em que não seja instigado a abordar o tema. Bolsonaro agradeceu tamanha deferência com um vídeo.

Advogado de peso

Ter como defensor o líder mais influente do planeta é um tremendo privilégio. É difícil lembrar de outro chefe de Estado, ainda mais um ex-presidente, que tenha recebido esse tipo de atenção por parte de Trump. Considerando o momento delicado de Bolsonaro, às vésperas do que ocorreu hoje, muitos se perguntavam: o que ele poderia oferecer em troca? Nada.

Uma hipótese seria a gratidão. Em momentos de crise, quando Trump enfrentava diversos processos, em situação semelhante à do ex-presidente brasileiro, Bolsonaro se manteve ao seu lado. Enquanto outras lideranças recuavam, o então chefe do Executivo do Brasil permaneceu firme e declarou publicamente sua confiança no norte-americano. Mesmo à distância, sem poder ajudá-lo diretamente, demonstrava apoio frequente, algo que, para Trump, parece ter deixado uma impressão duradoura.

Convidado especial

Essa proximidade foi evidente após a eleição de Trump, quando ele convidou Bolsonaro para sua posse. Diante do impedimento do brasileiro de sair do país, por conta da retenção de seu passaporte, sua esposa Michelle e seu filho Eduardo representaram-no e foram recebidos com atenção especial.

Há também quem diga que essa relação extrapola o âmbito pessoal. Embora Trump fale com convicção, pode ser também que se valha de uma estratégia, e que a sua aproximação com Bolsonaro esteja ligada a interesses que vão além da amizade.

Talvez queira marcar posição contra avanços progressistas, ou reforçar pautas comerciais que impeçam o crescimento de seus adversários. A tarifa de 50% pode ser apenas o instrumento visível de uma agenda mais complexa.

Rigor excessivo

Nesse sentido, o presidente norte-americano teria preocupações mais amplas, como o avanço da esquerda na América do Sul ou o que considera restrições à liberdade de expressão, especialmente em relação às medidas adotadas pelo Judiciário brasileiro para regulamentar as redes sociais. Essas questões afetam diretamente gigantes como X, Meta e Google, e poderiam estar influenciando a postura de Trump no caso brasileiro.

Com relação ao comércio, não se veem razões econômicas evidentes para a imposição de tarifa tão elevada. O Brasil tem gerado superávits para os EUA, o que, em tese, dispensaria medidas protecionistas tão rigorosas. A única exceção foi a Rússia, que recebeu taxa de 100% por conta do conflito na Ucrânia. Curiosamente, Trump sugeriu incluir o Brasil na mesma categoria, caso mantenha relações comerciais com Moscou.

A decisão do Judiciário

As cartas de Trump e suas declarações públicas tocam em todos esses pontos, o que acaba dificultando as negociações. Alckmin, junto a líderes do Legislativo e representantes do setor produtivo, tenta abrir canais de diálogo com os americanos.

No entanto, se houver condicionamento político, como o encerramento do julgamento de Bolsonaro, o Brasil terá de reafirmar que Trump não pode interferir nas decisões do STF.

Diante de uma negativa, Trump tem tudo para manter sua posição: aplicar a tarifa e, se o Brasil reagir com o uso da reciprocidade, poderá, como prometeu, impor taxas ainda mais elevadas, na mesma proporção das que receber.

O grande problema dos que se dispõem a tentar uma negociação é que, ao que tudo indica, a tarifa é só um artifício para justificar a conquista de outros objetivos. Se tudo caminhar nessa direção, não haverá muita saída: ou revertem a tendência das decisões judiciais, ou enfrentam um impacto econômico profundo.

Com as ações da PF, a história ganha outros contornos. Será que Trump se sentirá agredido? Será que tomará outras providências para sufocar o país? Nas próximas horas talvez tenhamos a resposta. Que seja logo, pois quem perde em qualquer hipótese é a população brasileira. 

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