Explorando a conexão entre livros e experiências de vida que moldam quem somos
Reinaldo Polito Publicado em 07/11/2025, às 10h42
Você tem um livro que marcou sua vida? E por quê? Pela história que conta ou pela maneira como chegou às suas mãos? Recomendou-o a outros ou guardou para si, por razões íntimas? De um modo ou de outro, sua trajetória ficou ligada à história dessa obra.
Eu também possuo o meu livro marcante. Com o crescimento dos podcasts, tenho sido convidado a falar sobre ele. A história é curiosa e me acompanha há décadas.
Participo de muitos podcasts. São ótimas oportunidades para conversar com públicos variados. A maioria dos apresentadores não é de comunicadores profissionais, mas de médicos, engenheiros, advogados e psicólogos que criaram programas para compartilhar experiências. Uns conduzem as entrevistas com liberdade, outros preferem interagir a cada resposta. Saber o estilo de cada um ajuda muito na conversa.
Qual o livro que marcou a sua vida?
Quase sempre, no final, vem a pergunta clássica: “Que livro você indicaria?” Às vezes, surge com uma variação: “Qual foi o livro que marcou sua vida?” Tenho resposta para as duas.
Para a primeira, indico Mauá: empresário do império, de Jorge Caldeira. Embora tenha mais de 500 páginas, é uma leitura envolvente, que prende até o fim. Retrata o maior empreendedor que o Brasil conheceu. Mauá foi pioneiro em várias frentes: criou o primeiro estaleiro, a primeira empresa de navegação do Amazonas, iluminou o Rio com gás, construiu a primeira ferrovia e fundou o Banco do Brasil. Seu patrimônio chegou a ser maior que o PIB nacional.
Mas o livro que marcou minha vida tem outro motivo. O conteúdo me encantou, mas o caminho até ele foi ainda mais fascinante.
Está velhinho, mas vivinho da Silva
No início dos anos 1980, ganhei do então deputado Fernando Mauro Pires Rocha, dono do Hospital Alvorada, um exemplar de A arte de falar em público, de Silveira Bueno, publicado em 1933. Era uma primeira edição impecável, capa original, sem anotações. Identifiquei-me de imediato com suas ideias sobre oratória.
Faltavam, porém, informações sobre o autor. Eu queria saber quem era aquele homem, onde nascera, se dava cursos, com quem convivia. Comentei a curiosidade com o amigo Fernandes Soares, também professor de oratória. Ele riu e me disse: “Polito, quem foi não, quem é. O professor Silveira Bueno está velhinho, mas vivinho da silva.”
Liguei para ele no mesmo dia
Depois do espanto, pedi o contato. Fernandes me advertiu:
“Só tome cuidado. Com a idade, ficou um tanto ranzinza. Certa vez, um político o cumprimentou dizendo que era um prazer conhecê-lo, e ele respondeu: ‘Mas eu não tenho prazer nenhum em conhecer o senhor.’”
Fiquei apreensivo, mas liguei. Do outro lado da linha, uma voz firme:
“Pois não, aqui é o professor Silveira Bueno. Quem fala?”
“Professor, aqui é Reinaldo Polito. Li seu livro mais de uma vez e adoraria conversar com o senhor.”
“Se tiver tempo, venha hoje mesmo.”
Flores por fora e livros por dentro
Naquela tarde, conheci um homem encantador. Sua casa era, como ele dizia, “de flores por fora e de livros por dentro”. Conversamos por horas sobre oratória e literatura. Ele contou que dera apenas um curso sobre o tema e riu ao descrever os métodos para eliminar os bichinhos que devoravam livros.
Na despedida, segurou meu braço e disse:
“Gostei muito de conversar com o senhor. Venha mais vezes.”
Assim nasceu uma amizade preciosa. Eu o visitava sempre. Admirava aquele senhor de mais de 90 anos ainda revisando suas dezenas de livros.
De recluso a protagonista
Certo dia, convidei-o para falar na formatura de nosso curso. Com 93 anos, fez uma palestra de 34 minutos que emocionou a plateia. O jornalista Heródoto Barbeiro, presente, pediu a gravação e dedicou-lhe um programa inteiro. Uma aluna, editora do Jornal da Tarde, fez matéria de capa e página inteira. Um homem recluso ganhou, no fim da vida, o reconhecimento merecido.
Uma busca de 40 anos
Sou colecionador de livros antigos de oratória. Talvez o maior acervo nesse segmento seja o meu. Um dos títulos da coleção é Lições elementares de eloquência nacional, de Francisco Freire de Carvalho. A primeira edição é de 1834 e a última, oitava, de 1880.
Tinha todas, exceto a sétima. Meus amigos alfarrabistas de Portugal diziam que talvez houvesse engano: provavelmente pularam da sexta para a oitava. Nunca desisti. Pesquisava em sebos e leilões, sem sucesso.
Certo dia, vi anunciada a venda de um exemplar. Achei que fosse engano — poderia ser outra obra do mesmo autor, Lições de poética. Comprei mesmo assim. Ao receber o pacote, o coração acelerou. Depois de 40 anos de busca, será que enfim encontrara o livro?
Uma surpresa que me abalou
Era ele. Quase caí de costas quando, ao abri-lo, vi no frontispício a assinatura do meu velho amigo Silveira Bueno. O exemplar pertencera à sua biblioteca. Provavelmente eu o vira durante minhas visitas. O livro que já era precioso pela longa procura tornou-se ainda mais simbólico.
Silveira Bueno foi um amigo inesquecível. Seu livro continua em destaque na minha estante. Na verdade, os dois livros. Essa é a história do livro mais marcante da minha vida. E o seu, qual seria? Siga pelo Instagram: @polito