Cultura

Vivemos num mundo de mentirosos, mas numa boa

Entenda que a mentira faz parte da natureza humana e como lidar com isso sem paranoia ou desconfiança excessiva

Descubra como mentirosos habilidosos conseguem enganar até os mais experientes em detectar falsidades - Imagem: Reprodução
Descubra como mentirosos habilidosos conseguem enganar até os mais experientes em detectar falsidades - Imagem: Reprodução
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 05/12/2025, às 19h54


É difícil desmascarar um bom mentiroso. Se a pessoa for craque em não dizer a verdade, talvez seja quase impossível descobrir que ela é dissimulada. Alguns mentirosos são tão habilidosos que até eles chegam a acreditar nas lorotas que contam. Na política, por exemplo, certos políticos repetem tão reiteradamente as mesmas inverdades que nem eles mesmos conseguem distinguir o que é falso ou verdadeiro.

Uma das estratégias mais utilizadas por esses doutores na arte de enganar, e que dá resultados, é relatar várias verdades e, num determinado momento, mantendo o mesmo ritmo da conversa e preservando a mesma entonação, encaixar a mentira. A impressão que passam é a de estarem sendo sinceros o tempo todo.

Pesquisa curiosa

O que não falta neste mundo é mentiroso. O pesquisador David Livingstone Smith, professor de filosofia na Universidade da Nova Inglaterra, tornou-se um renomado estudioso da “arte de mentir”. Na sua obra Os fundamentos biológicos e psicológicos da mentira, faz uma declaração impressionante sobre essa questão. Segundo suas pesquisas, uma pessoa conta, em média, três mentiras a cada dez minutos.

E agora vem o dado mais assustador: apenas uma em cada mil pessoas consegue perceber sinais de que alguém não está dizendo a verdade. E vai mais longe em suas afirmações. De acordo com seus estudos, até pessoas treinadas para identificar mentirosos são enganadas. Segundo ele, bons mentirosos conseguem ludibriar 90% desses observadores traquejados.

Uma história reveladora

O psicólogo Paul Ekman, que se tornou referência mundial em detecção de mentiras, e que faleceu recentemente, conduziu um experimento que expõe bem essa dificuldade. Ele pedia que alguns voluntários roubassem um objeto em uma sala vazia e, depois, negassem o roubo diante de uma equipe especializada em identificar sinais de falsidade. O desfecho surpreendia sempre: os melhores mentirosos não eram os mais inteligentes, mas os mais tranquilos. Eram pessoas capazes de controlar tão bem as emoções que nem os observadores experientes percebiam o engano.

Ekman concluía que, quando a pessoa acredita no que diz, ou quando domina a arte de manter o corpo sob controle, praticamente não deixa rastro. A mentira se torna, por assim dizer, sua segunda pele. Ou seja: diante de um mentiroso talentoso, até quem conhece todas as técnicas pode ser facilmente iludido.

Números que assustam

Não é estarrecedor saber que, durante uma conversa de uma hora, poderemos ouvir por volta de dezoito mentiras? Se você for cético como eu, ainda que os números sejam baseados em pesquisas sérias, fica uma pulga atrás da orelha: será?

Por isso, vamos supor que o pesquisador tenha se equivocado na contagem, que tenha exagerado e dobrado o resultado. Mesmo considerando essa hipótese improvável, há mentira para ninguém botar defeito.

A atenuante, se é que podemos considerar assim, é que nesse pacote se incluem toda sorte de mentiras, até aquelas chamadas “brancas”, inofensivas, que não fazem mal a ninguém. São aquelas contadas com o objetivo de evitar dissabores sociais, como dizer a alguém que saiu do hospital que sua aparência está boa, só para dar uma animada na pessoa.

Nem sempre quem conta mentira é mau

Temos de levar em conta também que o fato de alguém mentir em determinada circunstância não deve necessariamente ser censurado. Vejo por mim. Tenho amigos maravilhosos, de quem gosto muito, mas que, vez ou outra, com o objetivo de se promover, contam, digamos, uma inverdade. Querem somente ser admirados. Não prejudicam ninguém.

Essa discussão não deve transformar ninguém em paranoico, imaginando que o interlocutor está sempre mentindo. Se agirmos assim, a vida vira um inferno. Sabendo que esse é um comportamento normal na maioria das pessoas, basta apenas ficar de olho para ver se o que está sendo dito poderá ou não prejudicar alguém.

Se aquela conversa não apresentar risco de consequência negativa, ainda que não seja verdadeira, podemos encarar até como espécie de entretenimento. Portanto, nada de levar tudo a ferro e fogo. A vida seria chata demais para ser vivida. Siga pelo Instagram: @polito