Na verdade, suas palavras foram: “O povo brasileiro ainda não está em condições de votar por falta de prática, por falta de educação e ainda mais porque se vota, em geral, mais por amizade nos candidatos”
Reinaldo Polito Publicado em 26/12/2025, às 13h13
Lá se vão décadas, mas a frase atribuída a Pelé sempre ressurge nas discussões políticas: “o brasileiro não sabe votar”. Antes de entrar no mérito, é preciso fazer um esclarecimento histórico. Pelé nunca afirmou literalmente que o brasileiro não sabe votar. Essa é uma simplificação do que disse em entrevista à Folha de S.Paulo, em 26 de novembro de 1977.
Na verdade, suas palavras foram: “O povo brasileiro ainda não está em condições de votar por falta de prática, por falta de educação e ainda mais porque se vota, em geral, mais por amizade nos candidatos”. Passados quase 50 anos de eleições regulares e de intensa vivência política, a frase do Rei continua desconfortavelmente atual.
O movimento político no país
De lá para cá, o país assistiu a presidentes presos, a processos de impeachment e a sucessivas crises políticas. Considerando, por hipótese, que tais episódios tenham ocorrido por erros efetivos de gestão ou conduta, e não apenas por disputas políticas, a dedução possível é incômoda: parte relevante do eleitorado não soube escolher bem seus representantes.
Essa constatação ganha força quando se observam os dados da pesquisa divulgada hoje pelo Datafolha. Segundo o levantamento, 35% dos brasileiros se dizem de direita, enquanto 22% se identificam como de esquerda. Outros 7% se declaram de centro-esquerda, 17% de centro, 11% de centro-direita e 8% não souberam responder.
O Congresso talvez seja de maioria conservadora
O ponto central não está apenas na vantagem numérica da direita, mas no comportamento do chamado centro. Ao descer do muro, os números mostram que apenas uma parcela pequena migra para a esquerda, enquanto a maioria tende à direita. Mesmo admitindo, por hipótese, que parte desse grupo contrarie essa tendência, a diferença continua expressiva. Em eleições legislativas, formar maioria no Congresso é tão ou mais decisivo do que vencer o Executivo.
A vantagem da direita aparece em todos os recortes da pesquisa: entre os menos escolarizados, entre os que têm ensino superior, entre jovens, idosos, católicos e evangélicos. O dado é consistente.
As incoerências dão razão a Pelé
Mas há um elemento ainda mais revelador. A mesma pesquisa mostra contradições evidentes. Parte dos que se dizem petistas afirma ser de direita. Entre os que se declaram bolsonaristas, há quem se diga de esquerda. Alguns apontam Lula como maior líder da direita, enquanto outros classificam Bolsonaro como principal nome da esquerda. Essas incoerências não invalidam os números. Ao contrário, ajudam a explicá-los.
Elas revelam um eleitorado que muitas vezes não domina conceitos básicos do espectro político. É exatamente aí que a observação de Pelé ganha força. O problema não é o direito de votar, mas o despreparo para compreender o que se está escolhendo.
A vergonha de se declarar de direita
Até pouco tempo, no Brasil, muitas pessoas tinham vergonha de dizer que eram de direita. A pressão exercida no meio acadêmico e nas redações de jornais em defesa de ideias de esquerda era impressionante. Bastava observar a bibliografia adotada em inúmeros cursos universitários: praticamente nenhum autor conservador, quase tudo alinhado à esquerda.
Havia exceções, raras, mas havia. Um exemplo emblemático foi Roberto Campos, que nunca escondeu sua posição liberal-conservadora, mesmo quando isso significava isolamento intelectual e hostilidade pública. Tornou-se uma figura singular justamente por isso.
Bolsonaro mudou o cenário
Esse cenário começou a mudar com a ascensão de Bolsonaro. Independentemente do julgamento que se faça sobre seu governo, houve uma ruptura simbólica. Muitas pessoas passaram a ter coragem de se declarar de direita. Outras, ainda receosas do estigma construído ao longo de décadas, preferiam se dizer de centro ou centro-direita.
Na hora do voto, porém, essa hesitação tende a desaparecer. Longe do julgamento social, a defesa pessoal perde força. Os que se dizem de centro e centro-direita, diante de escolhas concretas, não migram para a esquerda. Majoritariamente, caem para a direita.
Os eleitores se esquecem em quem votaram
Por fim, um dado reforça esse quadro. Pesquisa realizada pelo IPEC em 2024 mostrou que 69% dos eleitores não se lembravam em que deputado federal haviam votado em 2022. Sete em cada dez eleitores não sabem em quem votaram! Como cobrar coerência, compromisso e fidelidade às promessas feitas em campanha?
Nesse quadro, enquanto o eleitor continuar chegando às urnas catando santinho jogado no chão para decidir em quem votar, a observação de Pelé continuará atual. Ele nunca disse que o brasileiro não deveria votar. Disse algo mais incômodo. Falta prática, falta formação e falta preparo. Pelé deu “algumas bolas fora”, mas, nesse caso, parece que fez mais um golaço.
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