Cultura

Teresina, beleza em tom de sol

Explore a rica cultura de Teresina, onde lendas e paisagens se encontram em uma experiência única e poética

Pôr do sol no encontro dos rios Poti e Parnaíba - Foto: Arquivo Pessoal

Marlene Polito Publicado em 25/11/2025, às 10h03

Uma história assombrosa, daquelas que não deixam ninguém dormir

Crispim era um jovem pobre que vivia às margens do rio Parnaíba, em Teresina. Um dia, ao chegar para almoçar, sua mãe lhe serviu uma sopa rala feita com ossos, como de costume. Enfurecido pela escassez, Crispim teria atirado um osso contra a cabeça da mãe, matando-a.

Antes de morrer, ela o amaldiçoou: ele vagaria pelos rios Parnaíba e Poti com uma cabeça enorme, no formato de uma cuia, até devorar sete moças virgens chamadas Maria, única forma de quebrar a maldição.

Crispim correu para o rio e se lançou nas águas. Seu corpo nunca foi encontrado, alimentando a crença de que ele ainda vaga pelos rios, assombrando banhistas e virando embarcações.

A lenda do Cabeça de Cuia é uma das mais conhecidas do folclore piauiense, e marcou nossa primeira visita a essa capital que brilha entre dois rios. 

A luz, claridade que define a cidade

Teresina é uma cidade de luz. Uma claridade intensa, branca, que recorta contornos e cria sombras densas sob mangueiras frondosas. Ali, onde o sol parece escrever seus próprios decretos (dizem até que, às vezes, parece haver três, quatro sóis para cada um), o calor ensina a desacelerar, a buscar o frescor das praças, a respeitar o tempo da natureza.

Entre o Poti e o Parnaíba, a cidade respira. Sem litoral, mas banhada por águas que moldam paisagens, hábitos e até humores.

E há algo profundamente poético nessa condição: a de ser interior e, ao mesmo tempo, aberta, líquida, fluida.

A beleza às vezes chega sem anunciar

Em Teresina, a beleza começa logo ao entrar no hotel, quando um grande painel inspirado em um cocar indígena, cheio de símbolos e vibração espiritual, emoldura a recepção e o sorriso aberto de Gustavo, funcionário que nos dá as boas-vindas.

É um encontro de tempos, em que o ancestral e o presente se cumprimentam. Ali já se anuncia a identidade da cidade, feita de luz, gesto e memória.

Cocá Maire-Monan, de Fátima Campos. (Recepção do Hotel Monã)

 

O artesanato é uma das expressões mais comoventes dessa identidade. No barro moldado pelas mãos pacientes dos ceramistas, nas fibras vegetais trançadas com delicadeza, nas peças que reverenciam a fauna, a terra, o cotidiano, sobrevive uma sabedoria antiga, aprendida com a própria natureza.

Guarás vermelhos, de kalina Rameiro

 

Essa tradição encontra em Teresina sua maior vitrine, transformando-a em guardiã da memória coletiva e da criatividade popular. Cada peça exposta revela a ligação visceral entre gesto humano e matéria, como se a cidade respirasse através das mãos de seus artesãos.

A arte contemporânea do Piauí continua esse mesmo fio. As obras de Nonato Oliveira, em que figuras silenciosas partilham espigas sob uma paleta quente e simbólica, traduzem, em cor e forma, a dignidade tranquila que molda o artesanato tradicional.

Nonato Oliveira, com seu traço luminoso e simbólico, traduz o espírito do Piauí

 

O orgulho de sua gente, força discreta e inquebrantável

Nenhuma cidade se explica apenas por objetos. A alma de Teresina está sobretudo em sua gente. Falam dela com ternura calma. Defendem-na com convicção. Celebram seus rios, seu artesanato, sua culinária, sua luz. E esse orgulho não é vaidade, é pertencimento.

A culinária confirma esse afeto, tão delicada quanto profunda. A paçoca de carne socada no pilão, o arroz Maria Isabel, o capote, a panelada, os doces de caju e buriti que lembram o sol nos lábios. Sabores que carregam história. Pratos que não apenas alimentam: narram.

Família carregando sacos, de Stênio Rocha

 

Nos mercados e pequenos ateliês, o gesto humano continua a escrever a identidade da cidade: barro moldado, fibras trançadas, cerâmica pintada com paciência quase musical.

Em cada peça, há uma Teresina que resiste, que se reinventa, que se oferece.

É verdade que a cidade enfrenta desafios. O clima extremo, a desigualdade, a necessidade de ampliar a infraestrutura e a vida cultural.

Mas há dignidade na forma como sua gente enfrenta essas questões, uma força tranquila, quase estoica. A mesma força que se vê no sorriso do artesão, no comerciante que indica caminhos sem pressa, no estudante que sonha à margem dos dois rios.

A hospitalidade, a beleza que nasce do convívio e tem gosto de bala de café

O teresinense acolhe como quem lembra, não como quem improvisa. Há uma naturalidade no gesto, uma cordialidade que não se anuncia, apenas existe. Em lugares assim, a beleza não depende dos olhos. Depende da presença.

Ela se acende no convívio, no intervalo generoso entre um cumprimento e outro, no silêncio em que a cidade escuta quem chega.

E há algo de memória nesse gesto, algo de doçura simples, como a bala de café oferecida sem cerimônia por Jussara, lembrança de que gentileza também é sabor.

Teresina não se impõe. Ela se insinua. Revela-se devagar, como quem conhece o valor do próprio tempo.

E quando enfim se revela, mostra não apenas uma paisagem, mas um modo de estar no mundo: luminoso, afetivo, inconfundível.

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