Sedução é mais que um jogo; é uma estratégia de poder que moldou a história e continua a fascinar
por Marlene Polito
Publicado em 30/09/2025, às 10h28
A suspeita antiga
Quem nunca foi arrebatado por um olhar, uma palavra ou até mesmo por um silêncio carregado de promessas? A sedução tem esse poder invisível: prende sem correntes, arrasta sem violência. É um jogo em que razão e desejo dançam lado a lado, mas raramente em compasso perfeito.
Desde cedo, os homens suspeitam dessa força ambígua. Não à toa, o verbo “seduzir” vem do latim seducere, que significa “desencaminhar”. A palavra já nasce carregada de desconfiança. Ser seduzido seria abandonar o caminho seguro. Mas será só isso? Ou a sedução é também um encantamento necessário, capaz de revelar desejos que mal ousávamos admitir?
Toda sedução contém uma promessa e uma armadilha. O convite parece inofensivo, mas pede rendição: de tempo, de razão, de certezas. Talvez esteja aí o seu feitiço. Ninguém é forçado, todos escolhem entrar na rede. O fascínio é livre, mas a liberdade, paradoxalmente, é o que nos prende.
Rainhas e deusas
A história mostra que a sedução nunca foi mero adorno, mas um recurso de poder. Cleópatra, rainha do Egito, permanece como arquétipo desse fascínio. Não se apoiava apenas na beleza, mas sobretudo na inteligência política. Com ela aprendemos que a sedução pode ser tão estratégica quanto uma batalha.
Ainda mais longe, Afrodite – ou Vênus – encarnava a força irresistível do encanto; diziam os gregos que nem Zeus, senhor do Olimpo, resistia ao seu poder. No julgamento de Páris, Afrodite lhe prometeu o amor de Helena, a mais bela mortal. O rapto de Helena, já casada, desencadeou a Guerra de Troia. A sedução, portanto, aparece como energia capaz de criar e destruir, de unir e dividir.
O poder da palavra
Desde os tempos antigos, a sedução também se exerceu pela linguagem, mas ganhou novas faces ao longo da história. Os discursos de Péricles, as tragédias gregas, os debates no Senado romano, todos são exemplos de encantamento pela palavra.
Poetas, oradores e filósofos sempre usaram a linguagem para fascinar, persuadir, mover multidões. Cyrano de Bergerac, com seu nariz desmedido, conquistou Roxane com versos ardentes, lembrando que a verdadeira sedução nasce da eloquência. Na vida real, Martin Luther King incendiou corações apenas com a voz: seu “I Have a Dream” não apenas convenceu, mas arrebatou, transformando fé em movimento.
Entre encanto e desvio
Essa mesma etimologia, lembrada no início, continua a nos provocar: se seducere é ‘desencaminhar’, como saber quando o fascínio é convite e quando é armadilha?
O sedutor, porém, não impõe: revela. Desperta desejos que já estavam em silêncio. Por isso a sedução é menos engano que espelho. No brilho de um olhar ou na cadência de uma frase, reconhecemos o que já existia, embora oculto.
Nesse sentido, ela não mente: expõe. Expõe nossas fragilidades, nossas sombras, mas também nossa capacidade de sonhar e desejar. A armadilha mais doce é essa revelação de que somos mais vulneráveis – e mais humanos – do que gostaríamos de admitir.
A modernidade inquieta
Se a palavra e o mito revelam a sedução como força simbólica, a arte moderna a transforma em experiência visual, e inquietante.
Em 1907, Picasso rompeu a tradição com Les Demoiselles d’Avignon: cinco figuras femininas que encaram o observador sem se oferecer. Seus corpos angulosos e fragmentados causaram escândalo e abriram caminho para o cubismo. A sedução, aqui, é armadilha visual. Quanto mais tentamos compreender, mais somos capturados pelo enigma.
Quase ao mesmo tempo, Klimt mostrou o oposto em O Beijo. Dois corpos se fundem em ouro, em cena erótica e espiritual onde a beleza não agride, mas hipnotiza. Enquanto Picasso provoca, Klimt embriaga. Ambos transformam a sedução em experiência estética radical.
A arte ainda multiplica suas faces. Imortalizada por Gustave Moreau, a figura de Salomé ganha vida em sua dança dos sete véus, que leva à condenação de João Batista por Herodes. Fascínio que seduz e condena.
Em contraste, Carmen, de Bizet, escandalizou Paris em 1875 ao exibir uma mulher que seduz justamente porque se recusa a ser domada: “libre elle est née, et libre elle mourra”. Se para Salomé seduzir é desestabilizar, para Carmen seduzir é a própria afirmação de liberdade.
Espelhos de agora
Hoje, em tempos de algoritmos e avatares, a sedução ganhou novas versões. Ela vive nas redes sociais, que nos sugerem o próximo clique, transformam atenção em moeda e alimentam narrativas de plenitude instantânea. Influenciadores, marcas e líderes disputam não só nossa atenção, mas nossa adesão emocional.
A armadilha continua doce, e talvez mais sofisticada. Porque, no fundo, o que nos seduz não é o outro, mas o reflexo que ele nos oferece.
E é nesse espelho que seguimos nos perdendo, desejando, descobrindo. Sempre haverá em nós algo que deseja ser seduzido – não apesar do risco, mas justamente por causa dele.
Marlene Theodoro Polito é doutora em artes pela UNICAMP e mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Integra o corpo docente nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. É autora das obras “A era do eu S.A.” (finalista do prêmio Jabuti) e “O enigma de Sofia”. [email protected]
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