Relatórios apontam falhas graves na rastreabilidade e revelam um vácuo de fiscalização que alimenta o descarte clandestino e o risco ambiental em todo o Estado

Marina Roveda Publicado em 13/11/2025, às 17h59
O controle sobre o destino dos resíduos industriais e hospitalares no Estado de São Paulo entrou em colapso. Estimativas técnicas do setor indicam que mais de 50% dos materiais perigosos gerados no território paulista não têm comprovação efetiva de destinação final. São milhões de toneladas que simplesmente desaparecem entre a origem e o destino declarado, sem que órgãos de controle saibam onde foram parar.
Enquanto o governo mantém o discurso de liderança ambiental e tecnológica, os bastidores mostram um cenário alarmante: uma cadeia de resíduos marcada por subnotificação, ausência de auditorias e brechas para fraudes sistêmicas. O que deveria ser uma estrutura monitorada em tempo real se tornou um sistema baseado na autodeclaração e no papel, onde a rastreabilidade termina antes de chegar ao campo.
Mesmo com instrumentos como o Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR), o SIGOR da CETESB e autorizações como o CADRI, exigidas pela norma ABNT NBR 10004, o controle é puramente documental. As plataformas registram dados, mas não comprovam se o material chegou, de fato, ao destino ambientalmente adequado.
Fontes do setor afirmam que menos de um terço do volume real de resíduos industriais é oficialmente declarado. O restante é absorvido por um mercado paralelo de descartes clandestinos, movido pela diferença brutal entre o custo do descarte legal e o do irregular.
A fragilidade do sistema foi exposta recentemente pelo prefeito Ricardo Nunes, que flagrou por sobrevoo áreas de descarte ilegal na região do Jardim Pantanal. O episódio ilustra o vácuo de fiscalização que atinge o Estado, inclusive em regiões metropolitanas.
A CETESB reconhece falhas no modelo de controle. O Ministério Público de São Paulo conduz investigações sobre fraudes, uso de empresas de fachada e rotas clandestinas de transporte e descarte, tanto de resíduos industriais quanto hospitalares.
A crise da rastreabilidade tem reflexos que vão muito além da pauta ambiental. A falta de controle contamina solos e mananciais, expõe populações a materiais tóxicos e rejeitos hospitalares, desestrutura o mercado ao permitir concorrência desleal e compromete a reputação de São Paulo como referência ambiental.
Em um ano pré-eleitoral, a fragilidade do sistema ameaça também o discurso político de governança verde. A logística reversa, um dos pilares da economia circular, perde seu sentido quando não há certeza sobre o que é tratado, reciclado ou simplesmente descartado em aterros clandestinos.
Entre as causas apontadas pelos especialistas estão:
Cadeia operacional extensa, com múltiplos intermediários
Falta de auditorias independentes e inspeções presenciais
Sistemas baseados em autodeclarações sem comprovação física
Penalidades brandas frente ao lucro da irregularidade
Ausência de integração entre as plataformas oficiais
Fiscalização deficiente sobre transportadoras e destinadoras
Técnicos e pesquisadores defendem medidas urgentes para restabelecer a rastreabilidade:
Auditorias externas independentes em toda a cadeia produtiva
Cruzamento automático de dados entre MTR, SIGOR, CADRI e vistorias presenciais
Transparência pública com relatórios auditados de destinação
Sanções efetivas e suspensão de licenças em caso de fraude
Adoção de tecnologias antifraude, como blockchain, sensores IoT e geolocalização de cargas
Balanço de massa, comparando o volume gerado e o efetivamente tratado
O Estado mais industrializado do país convive com uma contradição incômoda: como sustentar a imagem de líder ambiental se não há garantia sobre o destino do lixo tóxico e hospitalar produzido diariamente?
Enquanto a resposta continuar apenas nos relatórios oficiais, sem comprovação de campo, a bandeira da sustentabilidade corre o risco de se tornar apenas um discurso — limpo no papel, mas sujo na prática.
A reportagem procurou o Governo do Estado, a CETESB e a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL) para esclarecimentos, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
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