Autoridade Portuária de Santos negocia acordo para evitar judicialização do caso; investigação aponta ligação com repressão militar
Marina Milani Publicado em 22/05/2024, às 08h12
O Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Autoridade Portuária de Santos (APS) que repare os danos causados a trabalhadores portuários perseguidos e torturados durante a ditadura militar no Brasil. Segundo o MPF, trabalhadores que não acatavam ordens do regime eram levados a um setor específico do porto, onde sofriam agressões físicas e psicológicas.
A investigação, em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), revelou a existência de "milhares de documentos e diversos depoimentos" que indicam a estreita colaboração entre a administração portuária da época e os órgãos do regime militar, de 1964 a 1985. O procurador da República Ronaldo Ruffo Bartolomazi, responsável pelo inquérito, afirmou que, embora a atual gestão do porto não seja responsável pelos atos do passado, a estatal que controla o terminal mantém continuidade administrativa desde 1980, quando teve atuação direta na repressão aos trabalhadores.
Em reunião realizada na terça-feira (21), o MPF discutiu a possibilidade de um acordo com a APS para evitar levar o caso à Justiça. A Autoridade Portuária, antiga Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), afirmou ainda não ter "qualquer conclusão" sobre o tema, mas demonstrou disposição para colaborar na busca pela verdade sobre os abusos cometidos.
Conforme apurado pelo MPF, a Companhia Docas de Santos (CDS), predecessora da Codesp, implementou uma estrutura de vigilância interna para monitorar seus empregados, que se tornou repressiva a partir de 1966 com a criação do Departamento de Vigilância Interna (DVI). Esse departamento, sob a direção da Marinha e com a presença de militares e agentes de órgãos oficiais, era o responsável pela tortura de trabalhadores portuários, que ficavam incomunicáveis por horas ou dias enquanto eram submetidos a agressões.
A colaboração entre o DVI e o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Santos permitiu uma repressão ainda mais intensa contra os trabalhadores. Dados fornecidos pelo DVI facilitavam ações punitivas, e os trabalhadores considerados subversivos eram demitidos por justa causa e processados sob a Lei de Segurança Nacional, perdendo seus direitos trabalhistas.
A repressão se intensificava durante os períodos de eleição sindical, com a vigilância sobre os trabalhadores se tornando ainda mais rigorosa. Os baixos salários, a ampliação das jornadas, a supressão de folgas e a falta de segurança no trabalho eram problemas constantes no Porto de Santos, e a desmobilização de protestos contra essas condições era uma prioridade para a companhia.
Tortura após o Golpe de 1964
Logo após o golpe de 1964, a repressão aos sindicatos portuários começou, com muitos líderes sindicais sendo enviados ao navio-prisão Raul Soares, ancorado em Santos. No primeiro ano do regime militar, esses trabalhadores foram submetidos a tortura em condições insalubres. Além de sofrerem cárcere privado e tortura, enfrentavam demissões, processos penais por subversão e dificuldades para se recolocar no mercado de trabalho, devido ao estigma de terem sido acusados de crimes contra a segurança nacional.
O que diz a APS
Em nota, a APS informou que a reunião com o MPF foi uma apresentação do trabalho dos procuradores e que não há uma conclusão definitiva sobre o tema. O presidente da APS, Anderson Pomini, se comprometeu a colaborar na busca da verdade sobre as práticas abusivas ocorridas durante o regime militar.
O MPF continua a pressionar por reparações, buscando justiça para os trabalhadores que sofreram abusos durante um período sombrio da história do Brasil. A possibilidade de um acordo com a APS sinaliza um passo importante na reparação desses danos e no reconhecimento das atrocidades cometidas no passado.
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