Santo Agostinho foi um ferrenho advogado do estudo e aperfeiçoamento da oratória
Reinaldo Polito Publicado em 09/05/2025, às 14h59
Os católicos escolheram um papa americano. Após ser eleito, o cardeal Robert Francis Prevost adotou o nome de Leão XIV. O novo pontífice precisará lançar mão de toda sua extensa formação intelectual e extraordinária experiência para unir os católicos de todo o mundo, a começar por seus compatriotas. Assim que o resultado do conclave foi anunciado, já se sabia da divisão entre a população dos Estados Unidos.
Algumas críticas feitas contra o presidente Donald Trump atribuídas a Leão XIV, a partir do compartilhamento de postagens no X, não tiveram sua autoria confirmada. Essas fumaças nada brancas, entretanto, já prenunciam as polêmicas que deverá enfrentar.
Embora seja considerado moderado, setores conservadores o veem com desconfiança, por julgarem que possui um viés progressista. Dependendo de suas ações, e se essa tendência for mesmo confirmada, enfrentará forte resistência dentro do próprio país. Para neutralizá-la, além de sua atuação, o papa deverá contar com sua habilidade oratória.
Um agostiniano
A história indica que a preocupação com a arte de falar em público está nas origens de sua formação. Logo após ser eleito papa, o pontífice foi até a sacada da Basílica de São Pedro para fazer o seu primeiro pronunciamento. Em seu discurso, agradeceu à diocese peruana de Chiclayo e fez uma importante declaração: “Sou um filho de Santo Agostinho. Um agostiniano.”
Santo Agostinho foi um ferrenho advogado do estudo e aperfeiçoamento da oratória. Demonstrou em suas obras o apreço pelo diálogo. No livro A doutrina cristã, defende o estudo e a capacitação para falar em público:
A oratória pode servir para o bem e para o mal
“Quem ousará afirmar que a verdade deve enfrentar a mentira com defensores desarmados? Seria assim? Então, esses oradores, que se esforçam para persuadir o erro, saberiam desde o proêmio conquistar o auditório e torná-lo benévolo e dócil, ao passo que os defensores da verdade não o conseguiriam?”
Após levantar reflexões tão incisivas para estabelecer as premissas, Santo Agostinho leva o leitor a concordar naturalmente com suas conclusões. Mostra que, da mesma forma como os maus podem dominar a oratória para levar os ouvintes ao erro, os bons precisam estar preparados com as mesmas armas.
Os bons precisam se preparar
“Visto que a arte da palavra possui duplo efeito (o forte pode persuadir seja para o mal, seja para o bem), por qual razão as pessoas honestas não poriam seu zelo a adquiri-la em vista de se engajar ao serviço da verdade? Os maus põem-na a serviço da injustiça e do erro, em vista de fazer triunfar causas perversas e mentirosas.”
Seguindo essa orientação, o Papa Leão XIV poderá colocar sua competência oratória a serviço da verdade e das boas causas. A começar pelo seu próprio quintal, apaziguando os confrontos de ideias e arrefecendo as opiniões contrárias. E não é difícil prever que esse antagonismo, surgido tão rapidamente nos Estados Unidos, seu país de origem, possa se repetir em outras partes do mundo.
O exemplo de Santa Mônica
Talvez tenha de se comportar como a mãe de Santo Agostinho, Mônica, que viria a ser canonizada como Santa Mônica. Ela era uma cristã muito devota, ao contrário do marido, que jamais se aproximara do cristianismo. Sabendo que Agostinho era mais propenso a acompanhar a conduta do pai, nunca o pressionou para que mudasse a maneira de ser.
E foi assim que conseguiu convertê-lo, deixando que ele encontrasse sozinho o caminho. Pode ser que, se tentar impor uma ou outra visão, um dos lados se ressinta ainda mais e acentue suas resistências. Agindo naturalmente ora a favor de uma tese, ora de outra, poderá conquistar essa conciliação.
Um currículo admirável
É impressionante como até na religião, e, em certos casos, principalmente nela, as questões ideológicas se manifestam. Quem leu o currículo do novo papa e avaliou a trajetória que percorreu até chegar a essa posição constatou seu excepcional preparo para comandar o catolicismo.
E esse posto só pode ser conquistado por alguém muito bem-preparado na arte de se expressar. Sendo devoto de Santo Agostinho, com certeza seguirá seus passos para ser um bom conciliador. Se a palavra tem poder, como ensinou Agostinho, será por ela que Leão XIV poderá transformar as tensões em diálogo e a divisão em comunhão.