Cultura

Com a Selic a 15%, Lula procura um Campos Neto para culpar

Entenda como a elevação da taxa Selic para 15% reflete a situação econômica e os gastos públicos do Brasil

Veja com o Lula mudou discurso sobre as taxas de juros após a troca no Banco Central e a nova gestão de Galípolo - Foto: Reprodução
Veja com o Lula mudou discurso sobre as taxas de juros após a troca no Banco Central e a nova gestão de Galípolo - Foto: Reprodução
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 20/06/2025, às 11h39


Lembra de como Lula vivia pegando no pé do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por causa das elevadas taxas de juros? Como a indicação para o cargo havia sido feita por Bolsonaro, de forma indireta, suas críticas, além de tirar a responsabilidade de seus ombros, serviam para desqualificar também o ex-presidente.

Campos Neto era o culpado

Só para dar um exemplo: em junho do ano passado, exatamente há um ano, quando o Copom (Comitê de Política Monetária) manteve a taxa Selic em 10,5%, Lula não poupou críticas a Campos Neto e à autonomia do Banco Central:

“Eu fui presidente oito anos. O presidente da República nunca se mete nas decisões do Copom ou do Banco Central. O Meirelles tinha autonomia comigo tanto quanto tem esse rapaz (Campos Neto) de hoje. Só que o Meirelles eu tinha o poder de tirar. Ora, autonomia de quem? Autonomia para servir a quem? Atender quem?”

A taxa mais elevada em 20 anos

Veja se agora, com a decisão de elevar a taxa para 15%, a mais alta em 20 anos, Lula ou alguém da base governista critica o presidente do BC, Gabriel Galípolo, indicado pela atual gestão. Talvez até mencionem seu nome de passagem, apenas para contextualizar, mas ele, diretamente, não recebe nenhuma acusação.

Gleisi Hoffmann, ministra da Secretaria de Relações Institucionais, sempre fez coro com Lula nas críticas às elevadas taxas de juros. Desta vez, não poderia ser diferente, mas suas palavras nem resvalaram no nome de Galípolo:

“No momento em que o país combina desaceleração da inflação e déficit primário zero, crescimento da economia e investimentos internacionais que refletem confiança, é incompreensível que o Copom aumente ainda mais a taxa básica de juros. O Brasil espera que este seja de fato o fim do ciclo dos juros estratosféricos.”

Os gastos públicos são o grande vilão

A elevação da taxa de juros é ocasionada por diversos fatores. É possível colocar nessa conta a guerra tarifária de Trump, o confronto bélico no Oriente Médio, o aumento inevitável do preço do petróleo e tantos outros pontos que poderiam ser relacionados. Uma das principais causas, entretanto, são os gastos públicos cada vez mais elevados.

Na verdade, começa a fazer falta um Campos Neto para o governo pôr a culpa. Como Lula poderá dizer que o responsável é o presidente do Banco Central, se foi ele mesmo que o colocou no posto? Mas o presidente não fica pressionado por muito tempo. Logo vai encontrar um “mercado da vida” para responsabilizar.

Não pode dar um cavalo de pau

Logo após a troca na presidência do BC, o ministro Haddad, ao justificar a manutenção das elevadas taxas de juros, disse que Galípolo não poderia dar um cavalo de pau nesse ciclo. Precisava de tempo para acertar o rumo da economia. Ou seja, o discurso começava a mudar: Galípolo não tinha culpa.

Assim que a nova taxa foi anunciada, Campos Neto não perdeu a oportunidade de se vingar. Em entrevista ao blog de Andréia Sadi, defendeu a iniciativa, dizendo que faria o mesmo se estivesse lá. Mas também não deixou passar a chance de dar uma cutucada:

“Eu poderia falar: ‘Viu? Me criticaram tanto e agora a taxa está maior’. Mas minha honestidade intelectual não me deixa embarcar nessa. Eu teria feito a mesma coisa. Acho que o ganho de credibilidade frente ao custo monetário era claramente favorável a este último ajuste.”

O hábil uso da preterição

Ele foi hábil no discurso, ao usar a preterição, uma figura de linguagem em que a pessoa diz que não vai falar, mas está dizendo. Essa elegância retórica combina com sua personalidade. Mesmo recebendo, de forma injusta, frequentes críticas do governo, jamais se rebelou. Apenas tentava explicar tecnicamente suas decisões.

Lula sempre foi craque em terceirizar culpas. Eu não me lembro de ter visto o presidente assumindo um erro. Assim que percebe a falha, sem hesitar, já sai procurando um culpado. Só para recordar um pouco esse comportamento, basta citar o que ele fez nas duas primeiras vezes em que assumiu o governo.

Craque em Terceirizar

Pegou de vítima Fernando Henrique Cardoso. Lula dizia que o antecessor havia quebrado o país por duas vezes. Alguns até questionavam: mas já faz oito anos que FHC saiu do poder, como atribuir a ele esses desmandos?! E quem disse que esse “detalhe insignificante” merecia ser levado em consideração? Atribuía a responsabilidade de todos os problemas ao peessedebista.

Só deixou “o homem” em paz ao assumir o governo pela terceira vez. Sim, agora a culpa havia trocado de nome: Jair Bolsonaro. O discurso não muda – o ex-presidente é o responsável por todas as mazelas do país. Mesmo sabendo que nem todos acreditam mais nessa história, Lula não abandona a velha narrativa. Enquanto a conta não fecha, o jogo de empurra segue firme. Siga pelo Instagram: @polito