Entenda as reflexões de Vieira sobre fé, política e o poder da palavra em uma conversa imaginária com o jesuíta

por Reinaldo Polito
Publicado em 24/10/2025, às 08h26
E se fosse possível atravessar os séculos e conversar com o maior orador da língua portuguesa? Imagine ouvir, em primeira pessoa, as reflexões do Padre Antônio Vieira sobre fé, política e o poder da palavra.
Prepare-se para acompanhar uma conversa hipotética que tive com esse jesuíta. As respostas às minhas perguntas foram extraídas dos seus próprios textos.
Polito – Algumas pessoas julgam que o senhor tenha nascido no Brasil. Por que fazem essa confusão? Quem foram seus pais?
Vieira – Talvez pelo fato de eu ter vindo ainda menino para o Brasil. Nasci em Lisboa no dia 6 de fevereiro de 1608 e vim para cá quando ainda não havia completado 8 anos. Sou filho de Cristóvão Vieira Ravasco e de D. Maria de Azevedo.
P – Como nasceu sua vocação para o sacerdócio?
V – Iniciei meus estudos no Colégio da Companhia de Jesus, na Bahia, e encontrei ali campo fértil para despertar minha vocação. Na verdade, descobri de um momento para outro que essa seria a vida que desejava. Em 1623 ouvi uma pregação do Padre Manuel do Carmo sobre as penas infernais e fiquei encantado. Naquele instante senti que seria sacerdote.
P – Como foi o início de seus estudos para se tornar padre?
V – Entrei para a Companhia de Jesus aos 15 anos de idade. Não foi fácil, porque meus pais resistiram muito à minha decisão. Tive de fugir para ingressar no Colégio dos Jesuítas e pude professar ainda jovem, com 17 anos, no dia 6 de maio de 1625.
P – Seu gosto pela oratória também começou cedo?
V – Aos 18 anos atuei como professor de retórica em Olinda. Escolhi como tema das minhas aulas as obras de Sêneca e Ovídio. Confesso, entretanto, que não me sentia bem com essa atividade fechada em sala de aula. Meu anseio era o de me envolver com a vida missionária.
P – Quando se tornou padre?
V – Os jesuítas pediram que eu permanecesse na Bahia para concluir os estudos de Filosofia e Teologia. Assim, pude ser ordenado em 1635. Sempre gostei do púlpito. Em 1640 proferi um dos meus sermões preferidos: Sermão contra os holandeses – Bom sucesso das armas de Portugal contra a Holanda.
P – Não foi nesse sermão que o senhor confrontou e interpelou Deus?
V – Absolutamente. Meu objetivo foi levantar o ânimo da nossa gente, usando argumentos legítimos para persuadir Deus a nos ajudar. Jamais poderia confrontá-lo, sendo eu um de seus servos mais fiéis.
P – O senhor disse, entretanto, nesse sermão: “Não hei de pregar hoje ao povo, não hei de falar com os homens; mais alto hão de sair as minhas palavras ou as minhas vozes: a vosso peito divino se há de dirigir todo o sermão.”
V – Sim, disse. Foi apenas um recurso retórico para chamar a atenção daqueles que me ouviam. Se, de fato, eu desejasse apenas que Deus me escutasse, faria sozinho uma prece silenciosa, não um sermão.
P – Acho difícil entender.
V – Entenderia melhor se você estivesse lá, no ano de 1640, diante de uma batalha.
P – O senhor foi acusado de misturar religião com política. Em algum momento suas atividades favoreceram os poderosos?
V – Essa é uma invencionice daqueles que nunca se conformaram com a sinceridade das minhas pregações. No Sermão dos Escravos, que preguei em 1653, em São Luís do Maranhão, na 1ª Dominga da Quaresma, enfrentei os mais poderosos, pleiteando que libertassem os índios do cativeiro, pois considerava pecado mortal escravizá-los.
E respondendo diretamente à sua pergunta, uso as palavras que disse nesse mesmo sermão:
“Subir ao púlpito para dar desgosto não é de meu ânimo, e muito menos a pessoas a quem desejo todos os gostos e todos os bens. Por outra parte, subir ao púlpito e não dizer a verdade é contra o ofício, contra a obrigação, contra a consciência; principalmente em mim, que tenho dito tantas verdades, e com tanta liberdade, e a tão grandes ouvidos. Por esta causa resolvi trocar um serviço de Deus por outro: ir doutrinar os índios por essas aldeias.”
Se dizer o que eu disse com tanta coragem é ser político, então eu fui um político.
P – Sobre a arte de falar em público, o senhor recomenda algum sermão em especial?
V – O mais apropriado para essa finalidade é o Sermão da Sexagésima, que preguei na Capela Real em 1655. Nessa pregação mostrei aos padres como deveriam agir para planejar e proferir seus sermões. Foi, na verdade, uma aula de oratória.
P – O senhor julga que esses princípios pregados há mais de 300 anos teriam aplicação prática nos dias de hoje?
V – Tenho certeza que sim. Quer algo mais apropriado para os dias atuais do que este trecho do sermão?:
“Sabem, padres pregadores, por que fazem pouco abalo os nossos sermões? Porque não pregamos aos olhos, pregamos só aos ouvidos. Por que convertia o Batista tantos pecadores? Porque, assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos.”
Foi só uma conversa hipotética, mas teria sido emocionante se ela tivesse existido de verdade. Siga pelo Instagram: @polito
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