Mesmo com laudos apontando contaminação por substâncias cancerígenas, agência ambiental liberou licença prévia de aterro sanitário da PGV em São Vicente
Jair Viana e Marina Roveda Publicado em 29/05/2025, às 14h34
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) concedeu licença prévia para a instalação de um aterro sanitário em São Vicente, operado pela empresa PGV Terraplanagem e Resíduos, mesmo diante de laudos técnicos que atestam a presença de contaminantes perigosos no solo. Arsênio, mercúrio, chumbo e benzo(a)pireno estão entre os elementos detectados em níveis considerados alarmantes para a saúde pública e o meio ambiente.
O laudo técnico nº 355385/2024-0, elaborado pelo laboratório Bioagri a pedido da Polícia Civil, revelou índices de substâncias cancerígenas bem acima dos limites aceitáveis. Foram identificados: benzo(a)pireno (0,069 mg/kg), benzo(b)fluoranteno (0,088 mg/kg), mercúrio (0,116 mg/kg) e arsênio (1,93 mg/kg). Ainda assim, a Cetesb concedeu o licenciamento por meio de um Relatório Ambiental Preliminar (RAP), ignorando a obrigatoriedade de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima), conforme exige a Resolução Conama nº 01/1986 para atividades potencialmente poluidoras de grande porte.
A promotora Almachia Acerbi, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA), já havia alertado para a irregularidade, afirmando que não havia qualquer justificativa técnica para dispensar o EIA-Rima. Segundo ela, a flexibilização viola não apenas normas infralegais, mas princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente.
Essa avaliação foi corroborada pelo parecer do Ministério Público apresentado na ação popular movida pelo advogado Guilherme Craveiro (processo nº 1000405-24.2025.8.26.0590). O parecer do MP recomendou a suspensão do licenciamento e apontou violações à Resolução Conama nº 01/86, à Resolução SMA nº 49/2014 e ao artigo 225 da Constituição Federal, reconhecendo riscos iminentes à saúde e ao ecossistema local — especialmente em razão da proximidade com manguezais e Áreas de Preservação Permanente (APPs). Além disso, o MP recomendou a interdição da área dadas as violações constatadas.
Em nota, a Cetesb alegou que o empreendimento foi enquadrado como de “porte insignificante”, o que permitiria a tramitação simplificada. Contudo, documentos obtidos pelo Ministério Público mostram que o volume de resíduos previsto pela PGV era vinte vezes superior ao limite permitido para esse enquadramento, o que tornaria obrigatória a análise completa do impacto ambiental.
Mais grave: a área destinada ao aterro já apresentava sinais evidentes de contaminação anterior, o que por si só exigiria medidas de remediação antes de qualquer novo licenciamento. Essa etapa foi completamente desconsiderada pela Cetesb.
Além das questões ambientais, há suspeitas de irregularidades financeiras envolvendo a PGV. Relatórios obtidos pela reportagem mostram que, em apenas três meses, a empresa movimentou mais de R$ 11 milhões, com transferências significativas para a sócia Marília Gonçalves (R$ 1,36 milhão), para a empresa RFMB Participações (R$ 1,34 milhão) e para pessoas físicas ligadas à gestão. Ao mesmo tempo, a empresa acumulava autuações por descarte irregular de resíduos e por operar aterros clandestinos. Além disso, os relatórios financeiros apontam saques de expressivos de valores em espécie, diretamente das contas dos responsáveis pela PGV, gerando recomendação para comunicação da irregularidade ao COAF, objetivando apurar possíveis atos de corrupção.
O histórico da PGV com a Cetesb já havia levantado suspeitas. Em 2020, a empresa só foi multada após denúncias reiteradas e análise por imagens de satélite, que comprovaram descarte de plásticos, borracha e ferragens em área de recuperação florestal. Antes disso, vistorias presenciais da Cetesb não haviam constatado irregularidades. A promotoria investiga indícios de conluio entre fiscais e a empresa, já que operações policiais flagraram crimes ambientais sistematicamente após inspeções “limpas”.
Todas estas suspeitas foram apuradas em inquérito policial acessado pela reportagem, o qual apurou também suspeitas de atos de corrupção perante autoridades e servidores público ligados do Deputado Estadual Tenente Coimbra (PL), tendo em vista os possíveis favorecimentos no processo de licenciamento.
Para especialistas, o caso representa um grave retrocesso no controle ambiental paulista. “Ao optar por processos simplificados em casos que demandam rigor técnico, a Cetesb compromete a segurança ambiental e a saúde da população da Baixada Santista”, alerta um ambientalista ouvido pela reportagem, sob condição de anonimato.
Citados
Ministério Público de São Paulo (MPSP)
“O caso está sendo apurado e investigado pelo MPSP.”
CETESB
“A CETESB informa que o processo de licenciamento da referida empresa segue em análise e está sendo avaliado de acordo com a legislação ambiental vigente, não tendo sido descartada a possível necessidade de complementação de outras documentações para as devidas análises (EIA/RIMA). A CETESB reitera que o processo de licenciamento ambiental atende, sem exceção, a critérios exclusivamente técnicos, determinados pela lei estadual e federal.”
PGV Terraplanagem e Resíduos
“A empresa questiona os termos genéricos utilizados na reportagem. Em resposta, alega:
— A empresa reconhece a contaminação de qual área?
— Sobre o EIA-RIMA, pergunta em que esse estudo se relaciona com o suposto crime ambiental mencionado.
— Questiona também a que movimentações financeiras e quais relatórios a reportagem se refere.
— E, por fim, solicita esclarecimento sobre qual área precisaria ser descontaminada e qual empreendimento seria alvo dessa exigência.
A empresa informou que está à disposição para esclarecimentos.”
Leia também
Traição Familiar: A Luta de um Patriarca por Justiça e a Dignidade Roubada aos 88 Anos
Programa de vacinação visita escola na Zona Noroeste de Santos
Confissão e prisão: jovem acusado de roubar e matar idoso em Peruíbe é detido
As mulheres falam mais que os homens?
Caso Sérgio Ferreira: justiça adia júri de advogada acusada de homicídio em Santos
Baleado em bar: polícia encontra drogas na casa de suspeito que fugiu
Incêndio em comunidade de Santos: famílias começam a receber ajuda financeira do Estado
Confissão e prisão: jovem acusado de roubar e matar idoso em Peruíbe é detido
Homem morre após perder o controle de moto em rodovia que liga Santos e Guarujá
Vendaval na Baixada Santista derruba árvores e paralisa o Porto de Santos