Desde os primórdios da civilização, o corpo humano tem sido um dos principais temas artísticos

por Marlene Polito
Publicado em 18/02/2025, às 11h59
O corpo como projeto na visão de Giddens
O sociólogo Anthony Giddens argumenta que, na modernidade, o corpo se tornou um projeto reflexivo do self, ou seja, algo que moldamos ativamente para expressar identidade, status e pertencimento. A obsessão contemporânea com dietas, cirurgias plásticas e padrões de beleza reflete essa construção contínua.
Mas como a arte, ao longo da história, representou esse corpo – e como Botero desafia essa lógica?
Desde os primórdios da civilização, o corpo humano tem sido um dos principais temas artísticos, refletindo valores sociais, filosóficos e estéticos de cada época. A forma como foi representado revela tanto os ideais dominantes quanto as rupturas e transgressões que moldaram a história da arte.
O corpo na arte clássica – o ideal de perfeição
Na Grécia Antiga, a representação do corpo humano era baseada em proporções matematicamente perfeitas. Acreditava-se que a harmonia física era reflexo da harmonia interior, e esculturas como Discóbolo, de Míron, e Doríforo, de Policleto, exemplificam essa busca pela perfeição.
Os romanos herdaram essa estética, mas acrescentaram um realismo pragmático, evidenciado em seus bustos que retratavam com precisão os traços individuais, incluindo rugas e cicatrizes.
O corpo na idade média – ascetismo e espiritualidade
Na Idade Média, a arte cristã priorizava a espiritualidade em detrimento da fisicalidade. As figuras eram representadas de forma esguia e alongada, afastando-se do realismo clássico.

Mosaicos Bizantinos na Basílica de São Vital, em Ravena. Imagem: Passei Direto
O corpo no Renascimento – o retorno à harmonia e ao Humanismo
No Renascimento, a redescoberta dos ideais clássicos trouxe de volta o estudo detalhado do corpo humano. Artistas como Leonardo da Vinci e Michelangelo empregaram rigorosa observação anatômica para criar figuras equilibradas e expressivas. Obras como O Homem Vitruviano e Davi demonstram a fusão entre ciência e arte, evidenciando a crença no homem como medida de todas as coisas.
O corpo no Barroco – dramatismo e movimento
O Barroco rompe com a serenidade renascentista, introduzindo dinamismo e expressividade. O corpo é retratado com vigor e teatralidade, como em O Rapto das Filhas de Leucipo, de Rubens, onde as formas são exuberantes e os gestos dramáticos.

O Rapto das Filhas de Leucipo, de Rubens (c.1617)
O corpo no século XIX – o realismo e a fotografia
O Realismo rejeitou idealizações, retratando corpos comuns e imperfeitos. Courbet, com A Origem do Mundo, rompeu tabus ao apresentar a nudez de maneira crua e desprovida de idealização. Paralelamente, o advento da fotografia trouxe novas possibilidades de representação, influenciando decisivamente a arte pictórica e a percepção do corpo.
O corpo no século XX – fragmentação e expressão
Com a modernidade, a representação do corpo se fragmenta e se torna mais subjetiva. O Cubismo de Picasso em Les Demoiselles d’Avignon desconstrói as formas humanas, enquanto o Expressionismo de Egon Schiele acentua distorções emocionais. A Pop Art e as performances artísticas passam a questionar os padrões corporais impostos pela sociedade de consumo.
A contemporaneidade – o corpo entre o digital e a identidade
Hoje, o corpo na arte reflete discussões sobre gênero, tecnologia e identidade. A inteligência artificial, a edição digital e a pressão estética das redes sociais geram novos dilemas sobre representação corporal. Artistas como Orlan e Jenny Saville exploram o corpo de maneira provocativa, enquanto as esculturas hiper-realistas de Ron Mueck desafiam a percepção entre real e artificial.

Jenny Saville - Plan(1993)
Botero e a ruptura estética
Em meio a esse percurso histórico, a arte de Fernando Botero surge como uma ruptura singular. Suas figuras volumosas e arredondadas desafiam qualquer padrão corporal estabelecido, sejam eles clássicos ou modernos. Para Botero, a amplificação das formas não é uma crítica à obesidade, mas sim um elemento essencial de sua linguagem artística, conferindo presença, grandiosidade e humor a seus personagens.
Diferente da fragmentação moderna ou da idealização clássica, Botero cria um universo onde o volume é protagonista, dando peso e majestade a seus retratados. Suas obras desafiam tanto os padrões contemporâneos de magreza e edição digital quanto a noção de que a forma perfeita é necessária para a expressão artística.
Mais do que um rompimento estético, a arte de Botero nos convida a refletir: O que consideramos belo? O que nos parece exagerado? A arte deve refletir, criticar ou reinventar a realidade?

Marlene Theodoro Polito é doutora em artes pela UNICAMP e mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Integra o corpo docente nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. É autora das obras “A era do eu S.A.” (finalista do prêmio Jabuti) e “O enigma de Sofia”. [email protected]
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