As histórias sempre nos acompanharam, mudando de forma para se adaptar às culturas e ao tempo

por Marlene Polito
Publicado em 07/01/2025, às 12h40
Acompanho admirada o cordelista a nossa frente que conta uma história de paixão, desencontros e sacrifícios por amor – o “Romance do Pavão Misterioso”.
A declamação é direta e cheia de teatralidade; a viola dá o tom à narrativa, e o canto adiciona uma camada musical que torna a apresentação ainda mais envolvente, misturando poesia e melodia. O público se encanta e se comove, acompanhando as rimas inusitadas, o suspense criado. Ao final, aplaude com entusiasmo, e eu me junto a todos na homenagem ao grande declamador e contador de histórias. E que linda história!
Mas, afinal, o que faz das histórias algo tão essencial em nossa vida?
As histórias sempre nos acompanharam, mudando de forma para se adaptar às culturas e ao tempo. Desde épocas mais longínquas, o ser humano tem uma necessidade quase visceral de narrar suas experiências. Seja para entender o mundo, perpetuar tradições, persuadir ou simplesmente entreter, essas narrativas moldaram sociedades e atravessaram gerações.
O ato de contar e ouvir histórias, tão simples e ao mesmo tempo tão fascinante, carrega consigo um valor universal. Cientistas já descobriram que o cérebro humano está programado para amar histórias, porque, ao longo da evolução, elas nos ajudaram a aprender e a sobreviver. Como disse Yuval Noah Harari, em sua obra “Sapiens”, é essa habilidade única de criar narrativas que permitiu aos humanos construir “realidades imaginadas” e compartilhadas. Dinheiro, nações, corporações, direitos humanos – tudo nasce de histórias que escolhemos acreditar e perpetuar.
Você se lembra?
Um exemplo fascinante é “As Mil e Uma Noites", uma das obras mais importantes da literatura mundial devido à sua riqueza cultural, impacto histórico e influência nas artes.

Sheherazade conta histórias ao sultãoShahryar(Imagem por IA)
A narrativa central de Sheherazade, que conta histórias ao sultão Shahryar para adiar sua execução, exemplifica o poder da palavra e da criatividade como ferramentas de sobrevivência e transformação.
Da narração à imagem – o papel das ilustrações na arte de contar histórias
Muito antes da invenção da escrita, as imagens eram a principal forma de expressão humana. Pinturas rupestres, como as de Lascaux, na França, e da Serra da Capivara, no Brasil, retratavam cenas de caça e rituais, carregando profundo significado simbólico e espiritual. Essas representações conectavam o homem ao mundo e às forças que ele não compreendia plenamente.

Pintura rupestre da Serra da Capivara, Brasil; a capivara no centro e, àesquerda, o famoso beijo
Com o tempo, as imagens se tornaram mais sofisticadas. Hieróglifos egípcios e tábuas de argila sumérias mesclavam símbolos e narrativas para registrar história e conhecimento. Era a imaginação em forma tangível, criando a base para a evolução das representações visuais.
Na Idade Média, as imagens ganharam novo destaque com os manuscritos iluminados. Os livros eram decorados com desenhos intrincados e detalhes em ouro, feitos pelos monges nos mosteiros. Nas igrejas, os vitrais contavam as histórias bíblicas, principalmente para quem não sabia ler.

Monge medieval trabalhandoem uma iluminura em um mosteiro. (Imagem por IA)
A invenção da imprensa por Gutenberg, no século XV, democratizou as ilustrações. Técnicas como a xilogravura permitiram reproduzir imagens em larga escala, ampliando o acesso a livros, jornais e panfletos. Publicações científicas e atlas anatômicos combinaram arte e funcionalidade, enquanto novas técnicas, como a gravura em metal e a litografia, elevaram a precisão das imagens.
No século XIX, a litografia colorida revolucionou o universo das ilustrações. Livros infantis e quadrinhos ganharam popularidade, enquanto artistas como Gustave Doré criaram obras inesquecíveis para clássicos literários. Mesmo com o advento da fotografia, as ilustrações continuaram a evoluir, mantendo sua relevância como forma de expressão criativa.

Chapeuzinho Vermelho e o Lobo, de Gustave Doré
Com a era digital, as ilustrações atingiram novas possibilidades. Ferramentas tecnológicas e plataformas online democratizaram o acesso e a criação, permitindo que artistas combinassem arte, informação e tecnologia.
Ouvir e contar histórias
Ouvir e contar histórias é, talvez, uma das mais antigas formas de arte humana. Ali, diante do cordelista, fica claro que não se trata apenas de palavras em rima ou de uma narrativa envolvente. É sobre a capacidade de transportar as pessoas para outro tempo e lugar, onde a imaginação governa e o impossível se torna plausível.
Histórias nos lembram que não somos apenas espectadores da vida. Somos protagonistas, inventores de um script próprio daquilo que nos é contado. E, talvez, seja isso o que tanto nos encanta – o reflexo do que somos ou do que gostaríamos de ser ou viver.

Marlene Theodoro Polito é doutora em artes pela UNICAMP e mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Integra o corpo docente nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. É autora das obras “A era do eu S.A.” (finalista do prêmio Jabuti) e “O enigma de Sofia”. [email protected]

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