Dilemas de um escritor

O livro “Gestos e Postura” foi um desafio difícil de ser superado

Ao chegar nas livrarias, atingiu enorme sucesso, permanecendo três anos e meio nas listas dos mais vendidos

O livro foi muito bem recebido pelos leitores - Imagem: Reinaldo Polito
O livro foi muito bem recebido pelos leitores - Imagem: Reinaldo Polito

Reinaldo Polito Publicado em 08/09/2023, às 12h46


Em 1986 lancei o meu primeiro livro, “Como falar corretamente e sem inibições”. Sabe quando tudo acontece no momento certo? Foi o caso dessa obra. Assim que chegou às livrarias atingiu enorme sucesso. Permaneceu três anos e meio nas listas dos mais vendidos, em algumas em primeiro lugar, foi distribuído em 39 países e vendeu 700 mil exemplares.

Os dilemas do escritor

Levei nove longos anos para colocar o ponto final na obra. Você já deve ter ouvido falar no “dilema da página em branco”. Essa expressão vem da época em que não existia computador. Quem escrevia à mão, punha a folha branca, sem nada escrito, sobre a escrivaninha. Quem datilografava, colocava o papel na máquina de escrever. Em certas ocasiões, o escritor ficava muito tempo em silêncio, vivendo verdadeiro dilema, tentando encontrar uma ideia para iniciar o texto. Hoje, essa situação passou para a tela em branco do laptop.

Outra expressão não muito comum é “o dilema da página preta”. Nesse caso, o trabalho do escritor já está concluído, mas ele sempre acha que poderia acrescentar alguma informação relevante. Hesita em pôr o ponto final. Levei tantos anos para concluir o primeiro livro também por esse motivo. Uma dúvida tomava conta de mim, não tinha certeza se poderia ou não considerar o livro encerrado, pronto para ser enviado à editora. Essa demora, talvez, tenha ajudado para que ele fosse ao mercado no instante adequado.

Os arquivos da Folha e do Estadão

Com o sucesso do livro, me animei a escrever outro. Procurei falar de um tema sobre o qual ainda não havia nenhuma obra específica: “Gestos e postura para falar melhor”. Desta vez fui mais rápido. Apenas um ano. Só que um ano intenso de muito trabalho e pesquisa. Um livro sobre essa matéria precisaria ser ilustrado. E não poderia ser qualquer ilustração. Deveriam ser fotos de personalidades discursando e fazendo gestos que pudessem explicar a técnica para o leitor.

Sem os bancos de imagem para ajudar nas buscas, precisei recorrer aos arquivos de jornais. Marcava visitas na Folha e no Estadão. Ia cedinho e passava o dia todo revirando as pastas que guardavam as fotos. Para tornar o livro mais interessante, resolvi não repetir nenhuma pessoa. Às vezes, um político, por exemplo, possuía fotos tão expressivas que poderiam ser aproveitadas para meia dúzia de situações. Resisti. Só repeti uma do Michel Temer.

23 edições

Depois de meses pesquisando, descartando, selecionando, consegui encontrar todo o material de que precisava. Coincidentemente, nessa época estava fazendo curso comigo o Francisco de Mesquita Neto, do Estadão. Comentei com ele que aquelas fotos eram preciosidades, que deveriam ser digitalizadas. Ficou muito interessado na ideia. Mais tarde acabaram por fazer essa operação.

Confesso que no meio do caminho me senti impotente para completar a tarefa. Parecia não ter fim. Pesquisei dezenas de milhares de fotos. Tive de reunir forças internas, que não imaginava possuir, para completar o empreendimento a que me havia proposto.

O livro ficou pronto e também foi muito bem recebido pelos leitores. Até o ano 2000 foram rodadas 23 edições. Depois de 14 anos as fotos ficaram ultrapassadas. Além desse fator, ao treinar milhares de alunos, pesquisei novas maneiras de orientar os leitores. Com essa experiência, seria possível ajudar as pessoas para aprenderem muito mais em menos tempo.

Veio a coragem

Por isso, pedi à editora que não fizesse nova edição até que o livro fosse totalmente reformulado. Os anos se passaram. Eu olhava para aquela pendência sobre a minha escrivaninha, fingia que não via e preferia escrever outro livro. Sabia que a tarefa seria árdua. Que exigiria de mim, talvez, até mais esforço que o demandado para escrevê-lo da primeira vez. Durante a pandemia, tomei coragem, arregacei as mangas e me debrucei na sua atualização. Realmente, foram meses de muita dedicação alterando cada um dos capítulos.

Finalmente ficou pronto. Aí apareceu mais um obstáculo. A responsável pela edição das minhas obras deixou a editora. Os substitutos não sabiam o que havíamos combinado. Era uma nova negociação partindo do zero. Com as livrarias quebrando, a história ficou ainda mais complicada. Até que tudo voltasse à normalidade. Agora, com o Fernando Penteado, gestor da Editora Benvirá, à frente do projeto, o livro voltou à ribalta.

A 24ª edição no prelo

Agora sim a 24ª edição do “Gestos e postura para falar melhor” voltou ao topo das prioridades. A editora terá de investir tempo, estudo e criatividade para realizar um trabalho de ilustração e diagramação que atenda às exigências dos leitores atuais. Ainda hoje é o único livro específico para ensinar técnicas de gesticulação.

Depois de 34 livros publicados, com alguns deles em dezenas de países, estou me sentindo como um autor principiante. Aguardo a chegada da obra às livrarias com o mesmo sentimento de quando, anonimamente, me postava do lado oposto das lojas só para ver os leitores pegarem o meu livro, folhearem e se dirigirem ao caixa. Era uma emoção incomparável. A mesma que sinto neste momento. E que, por isso, quis compartilhar com você.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/