Cultura

O que levou Carla Zambelli a alardear que na Itália seria intocável?

Com 946 mil votos, deputada enfrenta condenação e polêmica após ligação com Jair Bolsonaro

Imagem: Twitter/@martarosamrs
Imagem: Twitter/@martarosamrs
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 06/06/2025, às 15h32


A deputada Carla Zambelli foi um dos assuntos mais comentados no país nos últimos dias. Um dos motivos da sua presença nos noticiários é que não se trata de uma parlamentar qualquer. Foi a deputada mais votada do Brasil, com impressionantes 946.244 votos. Outra causa desse burburinho é sua histórica ligação com Jair Bolsonaro.

Embora os dois tenham se afastado há muitos meses, todos sabem que o sucesso de Zambelli nas urnas se deveu, em grande parte, à aproximação com o ex-presidente. Assim que a Primeira Turma do STF confirmou sua condenação a 10 anos e 8 meses de prisão, ela passou a ser manchete na imprensa.

Zambelli nega

A condenação se refere à acusação de que ela teria contratado o hacker Walter Delgatti Neto para forjar um mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, com assinatura falsificada do próprio magistrado. Zambelli nega qualquer envolvimento. Em entrevistas, afirmou que não há prova concreta de sua participação nos fatos.

Em sua defesa, a deputada sustenta que a ordem de prisão é inconstitucional: “Nossa Constituição é clara: um deputado federal só pode ser preso em flagrante ou por crime inafiançável. Nada disso ocorreu”. Segundo alguns juristas, porém, a imunidade não se aplica, pois ela teria “evadido do distrito da culpa”. Um bom debate.

Cidadania italiana

Como a prisão parecia iminente, Zambelli aproveitou a viagem aos Estados Unidos para exames médicos e anunciou que não pretendia retornar ao Brasil. Após a declaração, seu advogado Daniel Bialski renunciou à defesa, alegando motivos de foro íntimo.

Em entrevistas, declarou: “Tenho passaporte italiano. Pode colocar a Interpol atrás de mim, eles não me tiram da Itália. Sou cidadã italiana e lá sou intocável, a não ser que a justiça italiana me prenda. E aí não vai ser o Alexandre de Moraes, vai ser a justiça italiana. Estou pagando para ver um dia desse”.

Nome na lista da Interpol

O ministro Alexandre de Moraes reagiu com severidade. Determinou sua prisão preventiva e a inclusão de seu nome na lista de difusão vermelha da Interpol. Também ordenou o bloqueio de passaportes, contas bancárias, salário e verbas de gabinete da deputada.

E não parou por aí. Mandou bloquear suas redes sociais no Brasil. Medida estendida a onze perfis associados ao nome Zambelli, incluindo os de sua mãe, Rita, e de seu filho, João Hélio. Um cerco completo à vida digital e financeira da deputada.

Reações na Itália

A fala sobre sua cidadania italiana não passou despercebida no exterior. O deputado italiano Angelo Bonelli fez interpelação ao Ministério das Relações Exteriores, da Justiça e do Interior da Itália, pedindo esclarecimentos sobre o posicionamento do governo diante da possível extradição. Bonelli citou a Lei nº 144/1991, que formalizou o tratado entre Brasil e Itália. Ou seja, ao contrário do que sugeriu Zambelli, o acordo existe.

Zambelli teria sido ingênua ao “cutucar essas feras com vara curta”? É possível que previsse esse tipo de reação. Mas, tratando-se de um caso tão rumoroso, manifestações semelhantes poderiam ocorrer mesmo sem suas declarações. Ainda assim, muitos analistas acreditam que sua fala não foi um deslize ou bravata impensada.

As possíveis estratégias

Ao declarar publicamente que sua cidadania italiana a tornaria “intocável”, Zambelli pode ter tentado antecipar e enquadrar a narrativa em seu favor. Colocou o tema da extradição sob os holofotes, gerando reações que ajudam a mapear o cenário político e diplomático em que pode vir a se defender. A exposição pode ter sido usada para ganhar tempo, medir forças e identificar quem poderá se opor ou apoiá-la, dentro e fora do Brasil.

Essa leitura se fortalece ao se considerar que, mesmo após o jornalista Paulo Figueiredo, com quem mantém estreita relação, ter oferecido ajuda para que ela buscasse asilo nos Estados Unidos, Zambelli optou por seguir para o país onde já possui cidadania. A Itália oferece, ao menos simbolicamente, uma posição mais confortável: país europeu, onde a extradição não é automática e há espaço para alegar perseguição política.

Ninguém pode prever o que vem por aí

É claro que boa parte dessas hipóteses é conjectural. Ninguém pode afirmar com certeza se essa era sua real intenção, nem o que acontecerá nos próximos capítulos. O que parece evidente é que ela está por um fio, e qualquer passo mal calculado poderá custar sua liberdade.

Muita poeira ainda será levantada nesta tempestade. Sua situação é delicada. É possível que sua carreira política tenha chegado ao fim. Só uma reviravolta jurídica ou política, improvável neste momento, poderia mudar esse rumo.

É triste constatar que quase um milhão de eleitores ficarão agora sem sua representante na Câmara. Se somarmos o caso de Zambelli ao risco de cassação de Eduardo Bolsonaro, esse número sobe para perto de dois milhões de votos. Até onde isso vai, ninguém sabe. Mas é certo que o impacto é grande, tanto institucional quanto simbólico.