Após o sucesso de 'Oppenheimer', Nolan traz a história épica de Ulisses, marcada para estrear em 17 de julho de 2026
por Marlene Polito
Publicado em 22/04/2025, às 13h31
Na calmaria de um domingo sonolento e frio, uma notícia do jornal me chama a atenção. Christopher Nolan, após o sucesso de Oppenheimer, já trabalha em um novo projeto: trata-se da adaptação para os cinemas de A Odisseia, poema épico de Homero, com estreia marcada para 17 de julho de 2026.
"Ulisses, mais uma vez!" deixo escapar com alegria, fã ardorosa que sou da cultura grega.
O filme seguirá a jornada longa e cheia de percalços de Odisseu — ou Ulisses — quando retorna para casa após a Guerra de Troia.
E se há um herói que sempre provocará admiração, é esse personagem, cheio de astúcia e inteligência, que enfrentará, durante dez anos, os desafios que os deuses lhe impõem. Ciclopes, sereias, feiticeiras e ninfas misteriosas surgem como obstáculos perigosos em seu caminho até Ítaca, onde sua esposa Penélope precisa lidar com pretendentes que disputam seu trono, certos de que ele jamais voltará.
O mito da chegada
Uma pergunta me desafia: por que o fascínio pelos grandes heróis persiste em nós?
Aquiles, Hércules, os santos — todos esculpidos em mármore para que esquecêssemos a argila que nos forma. O herói de pedra é uma ilusão reconfortante: terminado, pleno, intocável.
Nietzsche, o filósofo que nos ensinou a desconfiar de ídolos, escreveu: "O que é grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim."
Não somos destinos, mas passagens.
Desde as civilizações mais antigas, o herói foi celebrado como aquele que atravessava o impossível — mares, desertos, o próprio medo. Seja na epopeia de Gilgamesh, nas pirâmides do Egito, nos cânticos indígenas ou nos mitos gregos, sempre existiu a necessidade de reconhecer o ato heroico. Não apenas por sua glória, mas porque nele víamos a capacidade humana de vencer a limitação e afirmar o sentido da vida.
Essa necessidade resiste ao tempo, porque nasce de uma verdade íntima: cada vida é feita de passagens — do medo à esperança, da juventude à maturidade, da perda ao recomeço.
A travessia exige mais que força física: exige estofo interior, coragem silenciosa, bravura que aceita dor e dúvida como parte do caminho.
O herói mítico realiza uma façanha e encerra sua história. O humano, nunca. Sua missão é justamente nunca parar de se refazer.
A arte como espelho da travessia heroica
Desde as inscrições rupestres até as instalações contemporâneas, a arte foi, e continua sendo, o grande espelho da travessia humana.
A Conversão de São Paulo (1601), de Caravaggio. A travessia interior – a luz que interrompe uma vida para iniciar outra
Ulisses, a ponte sobre o abismo do saber
Amarrado ao mastro de seu próprio limite, Ulisses não vence as sereias, vence a ilusão do saber absoluto. Seu feito não foi ouvi-las, mas seguir adiante mesmo após escutá-las. Ulisses é o homem que, mesmo tendo vislumbrado o inexplicável, seque em frente.
É nesse movimento que reside sua grandeza — e a nossa.
Exodus, a epopeia dos que não têm música
Enquanto os heróis antigos invocavam deuses, muitos caminhantes carregam apenas o corpo contra a geografia do desespero. Sua grandeza? Caminhar mesmo sem promessa de Ítaca. O impulso heroico é o de atravessar o sofrimento em busca de dignidade. É ele que mantém acesa, mesmo nas noites mais escuras, a chama da esperança.
Exodus, de Sebastião Salgado. A travessia real dos que buscam sobreviver e sonhar.
Love, o último mito moderno
Criada nos anos 60, a escultura LOVE, de Robert Indiana, ganhou nova urgência no século XXI: amar tornou-se a travessia mais perigosa. Não o amor
romântico, mas o ato de permanecer vulnerável em um mundo que venera a blindagem.
Amar, hoje, é heroísmo silencioso — e talvez por isso, tão invisível quanto essencial. No afeto autêntico resistimos ao vazio que ameaça devorar as relações humanas.
Love, de Robert Indiana. O amor como travessia heroica no tumulto da vida moderna
Boccioni, o corpo que se desfaz para se refazer
Na escultura futurista de Boccioni, não há rostos, apenas impulso. Braços, pernas, tronco: tudo é travessia. Ser humano é estar sempre no meio do passo, nunca no seu término. O herói não é quem chega, mas quem aceita que a queda faz parte do voo. Cada passo arriscado é, por si só, uma vitória.
Formas Únicas da Continuidade no Espaço, de Umberto Boccioni.
Uma palavra final e instruções para atravessar
Nietzsche nos deixou um mapa sem rotas: somos pontes que só existem quando atravessadas. A condição humana não é a de repouso. É a de travessia constante: entre o medo e a esperança, a dor e o renascimento.
Sugiro, por isso, três verdades para viajantes:
Toda ponte treme – e é no tremor que se reconhece sua força.
Não existe herói completo – apenas rascunhos em permanente revisão.
As melhores travessias são aquelas que nos transformam em caminho.
Em outras palavras: os verdadeiros heróis não cabem em artigos. Estão ocupados demais atravessando.
Marlene Theodoro Polito é doutora em artes pela UNICAMP e mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Integra o corpo docente nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. É autora das obras “A era do eu S.A.” (finalista do prêmio Jabuti) e “O enigma de Sofia”. [email protected]
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