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Democracia em risco? Entenda como o Plano Diretor tem afetado os moradores do Guarujá

Apesar do receio da população, alguns encontram esperança em meio a luta; confira

Democracia em risco? Entenda como o Plano Diretor tem afetado os moradores do Guarujá - Imagem: reprodução Flickr
Democracia em risco? Entenda como o Plano Diretor tem afetado os moradores do Guarujá - Imagem: reprodução Flickr

Vitória Tedeschi Publicado em 11/09/2023, às 18h51


Em meio aos protestos dos moradores de Guarujá contra o Plano Diretor (projeto que define o desenvolvimento urbano da cidade) da prefeitura, diversos pontos negativos estão sendo levantados caso sua aprovação aconteça.

Dentre as mudanças que a iniciativa propõe, as mais problemáticas, segundo os próprios moradores, são: a transformação de áreas residenciais em zonas mistas - que permite a construção de comércios, e a permissão para construir prédios de até 125 metros de altura nas praias (confira outros problemas mais abaixo).

Antes de mais nada, é importante citar que, de acordo com a Prefeitura de São Paulo, o Plano Diretor Estratégico "é uma lei municipal que orienta o crescimento e o desenvolvimento urbano de todo o município. Elaborado com a participação da sociedade, é um pacto social que define os instrumentos de planejamento urbano para reorganizar os espaços da cidade e garantir a melhoria da qualidade de vida da população".

Por ser um plano que deveria ser democrático e contar com a participação da população, os moradores estão lutando para que sejam ouvidos e suas impressões sejam valorizadas.

Em entrevista exclusiva à CBN Santos, João Mele, presidente do Instituto de Segurança Socioambiental de Guarujá, afirmou que o plano preocupa, pois é uma norma que dura muitos anos. Ou seja, qualquer medida problemática pode causar impactos futuros muito grandes.

Nós acompanhamos o Plano Diretor de 2013, vimos alguns resultados dele. No ano de 2018 já tentamos fazer algumas alterações nele, na previsão legal quinquenal. E naquela oportunidade, quando chegou lá no Conselho do Meio Ambiente, viram que não tinha uma adequação formal e deixaram para fazer a revisão após os 10 anos que estaria acontecendo em 2023", explica ele sobre o panorama histórico do projeto.

Ele continua contando que durante esse tempo, a população ficou na expectativa do que seria feito em 2023, quando o plano completasse os 10 anos. No entanto, a pandemia adiou as datas de revisão de normas e, em 2021, a Prefeitura de Guarujá começou a retomar as revisões do projeto.

"Em 2021, a Prefeitura abriu o prazo de 60 dias para as pessoas se manifestarem sobre o Plano Diretor. Isso parece muito bonito, mas nessa data a prefeitura não tinha nenhuma proposta. Como você, da sociedade civil, vai opinar sobre o Plano Diretor se não tem proposta para ser estudada?", indaga ele.

Vale citar que, após os alertas da população, o município realizou audiências públicas sobre o caso, e prometeu enviar os projetos de revisão ao Plano Diretor, que foi revisado pela última vez em 2013. Acesse ele aqui.

Apesar disso, Mele salienta que, desde o início, o mais importante seria a participação popular, como previsto em Lei. Para que, dessa forma, os moradores da cidade pudessem construir o Plano junto com a prefeitura: "A participação popular não é pedir opinião, nem fazer audiência pública. A participação popular é na construção do plano".

Ele afirma que o plano foi trabalhado internamente, apenas com os funcionários da Prefeitura Municipal, de 2021 até maio deste ano, quando a população finalmente teve acesso ao documento final.

No entanto, Mele ressalta que "a população recebeu um documento de centenas de páginas de altíssima complexidade" e, com ele, o prazo de apenas 60 dias para avaliar o documento e 'propor melhorias', o que causou revolta na população.

Ressalta-se que o Plano Diretor vem sendo objeto de discussão há mais de dois anos, entretanto, nesses dois anos, em várias oportunidades, inclusive pelo próprio COMDEMA [Conselho Municipal de Meio Ambiente], se solicitou saber quais eram as propostas do Poder Público e a resposta sempre se limitou a dizer que foi aberto para a sociedade a coleta de sugestões e que tal medida já caracterizava uma ampla participação popular", afirma o documento de manifestação do Coletivo de Entidades Civis de Guarujá, ao qual a CBN teve acesso.

Como o Plano Diretor pode prejudicar o Guarujá?

Diversos são os fatores que podem ser influenciados com a aprovação do Plano Diretor, seja na questão ambiental ou falta de estrutura é sempre válido lembrar que o que está sendo discutido tem impacto direto na vida das pessoas que ali vivem.

Confira abaixo alguns pontos que podem ser afetados em Guarujá:

  • Maior crise no fornecimento de água;
  • Segurança mais prejudicada com a falta de planejamento urbano;
  • Falta de saneamento básico adequado;
  • Áreas preservadas sendo prejudicadas e invadidas;
  • Construção de prédios em locais onde deveriam ter apenas casas;
  • Maior trânsito na cidade;
  • Menor vida útil dos aterros sanitários;
  • Dificuldade em 'cuidar' corretamente dos resíduos da população;
  • Destruição dos biomas locais por conta do lixo;
  • Colapso do sistema de saúde, etc.

Em suma, segundo os moradores, um desenvolvimento muito rápido, sem um planejamento mais estratégico, que leve em conta as considerações da população, tende a colapsar a cidade como um todo.

Por outro lado, a Secretária de Planejamento de Guarujá, Polliana Iamonti, explicou aos ouvintes da Rádio CBN Santos qual é a proposta, principalmente sobre as iniciativas na praia de Pernambuco.

“Os prédios que já existem no Pernambuco, com baixa densidade, permanecerão. O que estamos propondo de diferente é o uso misto, que são comércios compatíveis com as moradias de baixo impacto. Temos uma tabela na lei de uso e ocupação, que determina quais são os usos daquele local, como imobiliária, escritórios de arquitetura, pequenos comércios, como café, uma pequena lanchonete, um mercadinho, para que a gente possa dar vida, e possa promover uma renovação do tecido urbano do bairro de Pernambuco”, relatou Polliana.

Em nota, a Prefeitura de Guarujá esclareceu que o Jardim Acapulco é um loteamento, e não um condomínio fechado. Ou seja, é parte integrante da malha urbana no bairro Pernambuco.

“Nós sentimos que a comunidade daquela região não ficou satisfeita, e podemos rever isso antes de mandar a lei para Câmara, e a Câmara tem que fazer uma audiência antes de votar”, afirma a nota.

E o que as outras cidades da Baixada têm a ver com isso?

Neste cenário, de preocupação com o futuro do Guarujá, é comum esquecer-se das cidades ao redor, ou seja, das outras cidades da Baixada Santista como: Santos, Praia Grande, São Vicente, Itanhaém, etc. No entanto, todos estes municípios do litoral sul de São Paulo tendem a ser afetados também.

Fábio Santiago, economista e especialista em desenvolvimento sustentável, também em entrevista exclusiva à CBN Santos, fez questão de citar os possíveis impactos em outros cidades para além de Guarujá.

"Se passar esse projeto do jeito que está, ele vai trazer um volume de resíduos sólidos urbanos muito grande. Será que essa unidade de recuperação de energia vai estar operacional?", questiona Fábio, acrescentando que caso os sistemas não deem conta, os municípios próximos também sofrerão.

A gente tem que perceber que o meu crescimento não depende só de mim, depende do meu entorno e das outras cidades", afirma ele.

Com isso, surge um pensamento importante: todas as cidades estão conectadas. E as pessoas devem ter consciência disso na hora de reivindicar seus direitos e pensar nos impactos causados não só ao seu redor, mas em um cenário mais amplo que abrange inclusive outras cidades.

O resgate da sensação de pertencimento

Assim, em contrapartida, mesmo definindo a situação como uma 'luta' contra todos os malefícios que serão desencadeados com a aprovação do Plano Diretor, Fábio encontra nas dificuldades um motivo de esperança.

Também em entrevista exclusiva à CBN Santos, ele afirma que a movimentação da sociedade permitiu que as pessoas se conhecessem e reconhecessem que têm os mesmos objetivos e lutam por uma causa em comum.

Para Fábio, o mais importante em todo esse movimento é o despertar para o sentimento de pertencimento à sociedade: "A gente, como cidade, ainda não se reconhece. E o que esse processo fez? A gente passou a se reconhecer enquanto sociedade civil [...]".

Eu estou chateado com o processo, estou preocupado, mas também estou esperançoso porque todas as pessoas que eu conheci estão percebendo que ele está sendo muito marcante. As pessoas estão sentindo muito, e o importante aqui é sentir. E sentir é dizer: "Eu pertenço, e eu tenho gente que é meu parceiro e que também pertence", finaliza Fábio, que apesar das preocupações mantém a esperança em um Guarujá melhor.