Grilagem

Justiça derruba plano milionário de construtora em Santos

O plano estava em andamento nas planilhas da Construtora Macuco

O plano estava em andamento nas planilhas da Construtora Macuco - Imagem: reprodução Prefeitura de Santos
O plano estava em andamento nas planilhas da Construtora Macuco - Imagem: reprodução Prefeitura de Santos

Jair Viana Publicado em 18/12/2023, às 20h15 - Atualizado às 21h30


Não fosse a ação rápida da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE) e uma decisão imediata da juíza da 1ª Vara da Fazenda de Santos, a Incorporadora e Construtora Macuco faturaria um lucro gigantesco com a construção de apartamentos de alto padrão, em duas áreas destinada à construção de casas populares destinadas a famílias de baixa renda. Uma tutela antecipada (liminar com maior peso que uma liminar comum) destruiu as intenções da Macuco.

A juíza Fernanda Menna Pinto Peres, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos, concedeu "tutela de urgência" impedindo a mudança da destinação dos dois terrenos localizados numa das principais avenidas de Santos, a Ana Costa. A ideia dos empresários era construir duas torres de apartamentos luxuosos no local. A liminar foi concedida em um mandado de segurança impetrado pela Defensoria Pública.

Os dois terrenos eram de propriedade da União. A Construtora Macuco comprou os imóveis no apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro (PL). O negócio feito entre o governo de Bolsonaro e a empresa, segundo a reportagem apurou, pode ter provocado um prejuízo milionário à União. O prejuízo ainda afetaria os cofres do município.

A decisão judicial que atrapalhou os planos da Macuco é do último dia 11, uma segunda-feira. Em seu despacho, a juíza fala de possível violação aos "padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé" por parte de agentes públicos. A magistrada atacou a postura do secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, que também é presidente do Conselho Municipal do Desenvolvimento Urbano (CMDU).

No despacho, a juíza Fernanda Peres diz que a o comportamento dos negociadores fere o princípio constitucional da transparência nos atos da Administração Pública. Ela observou ainda que prejudica o amplo acesso à Justiça por parte dos grupos sociais vulneráveis.

ESCONDENDO

Segundo a Defensoria Pública, documentos referentes às decisões do CMDU sobre as áreas, não eram enviados ao órgão. Diante da negativa dos documentos, a Procuradoria pediu à Prefeitura, detalhes das medidas adotadas.

O esquema que estava em andamento e foi travado pela decisão da Vara da Fazenda, era pilotado pela Construtora Macuco, que avaliava a alteração de uso dos dois terrenos localizados da Avenida Ana Costa. Os imóveis estão gravados no Plano Diretor do Município como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS II).

Segundo o Plano Diretor do Município, as áreas são definidas como ZEIS II. Ou seja, são "glebas ou terrenos não edificados, subutilizados ou não utilizados, que, por sua localização e características sejam destinadas à implantação de programas de Habitação de Interesse Social (HIS) e de Habitação de Mercado Popular (HMP)".

Depois de comprar terrenos através de leilão online, promovido pela União, por preços abaixo do valor de mercado, a Construtora Macuco recorreu à Prefeitura para pedir a liberação as áreas gravadas, por força de lei, para construção de moradias populares. A empresa esperava que com a mudança no uso do solo que estava em estudo e no CMDU, permitiria à Macuco construir, as torres de apartamentos de luxo nos dois terrenos.

ANTECIPOU

Uma decisão sobre a mudança na classificação dos dois imóveis, o que ampliaria os lucros da Macuco, já estava na pauta de uma reunião ordinária do CMDU, agendada dia 27 deste mês. De repente, a reunião foi antecipada para quarta-feira,13, sem que a Defensoria tivesse acesso aos documentos enviados pela Macuco, que seriam discutidos e analisados.

Segundo a Defensoria, até as atas das reuniões anteriores foram cerceadas. Nem publicadas foram no Diário Oficial. Os documentos vinham sendo escondidos desde o mês de junho. Isto provocou a reação da Defensoria que ingressou com mandado de segurança e conseguiu suspender o andamento do projeto milionário que beneficiaria a Macuco.

Em sua decisão, a juíza da Vara da Fazenda destaca que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Estatuto das Cidades, além de acordos internacionais reconhecem a Defensoria como parte legítima na defesa dos interesses difusos da sociedade e nas discussões da alteração do meio ambiente urbano.

Segundo entendimento da Suprema Corte a DPE é reconhecida como autêntico mecanismo que oferece o "mínimo equilíbrio entre a Administração Pública e os cidadãos", escreveu a magistrada.

"O direito de requisição (dos documentos e atas), legalmente e constitucionalmente reconhecido à Defensoria Pública, faz presumir a necessidade da consulta pela DPE para fins de defesa dos interesses coletivos, em se tratando de processo administrativo que versa sobre ordenamento territorial da cidade", reforçou a juíza.

Até agora, a Defensoria não foi atendida em seus pedidos junto à Sedurb nem pelo CMDU.

MACUCO

A Incorporadora e Construtora Macuco foi procurada no final da tarde desta segunda,18, mas até o fechamento desta reportagem não havia se manifestado. Caso emita uma nota, o texto será atualizado.

O plano milionário engendrado pela Macuco vinha se arrastando desde Governo de Michel Temer (MDB). Veja como tudo foi planejado:

  • Julho de 2017 - Governo Temer sanciona Lei 13.465/17, que "aprimora a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União". A nova legislação ficou conhecida como 'Lei da Grilagem'.
  • Junho de 2020 - Governo de Jair Bolsonaro sanciona a Lei 14.011/20, que altera e facilita a venda de imóveis da União com desconto de 25%. Secretaria do Patrimônio da União mapeou 3.800 imóveis "vagos ou sem uso" prontos para venda. Nova lei permitia que os próprios interessados contratassem um avaliador e definissem o valor do imóvel.
  • Julho de 2020 - Governo Bolsonaro coloca à venda, via internet, 907 imóveis da União.
  • Outubro de 2021 - Bolsonaro coloca à venda mais 1.030 imóveis da União localizados no Estado de São Paulo, entre eles os dois terrenos na Avenida Ana Costa, na Vila Mathias, em Santos.
  • Novembro de 2022 -Prefeito de Santos, Rogério Santos sanciona Lei 1.181/22, de sua autoria, que permite a alteração no uso das chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), glebas destinadas exclusivamente à habitação popular.
  • Dezembro de 2022 - Rogério Santos sanciona Lei Complementar 1.187/22, que prevê a alteração das áreas de ZEIS "mediante autorização legislativa desde que comprovado o interesse público" a partir de parecer a ser elaborado por comissão interna da própria Prefeitura.
  • Março de 2023 - Construtora Macuco protocola na Secretaria de Desenvolvimento Urbano pedido de "desgravação" dos dois terrenos na Avenida Ana Costa, da ZEIS Vila Mathias, e consequente liberação para construção de imóveis de alto padrão.
  • Março de 2023 - Secretaria de Desenvolvimento Urbano instaura o Processo Administrativo nº 011617/2023-39 e remete pedido da Macuco para análise do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU).
  • Julho de 2023 - CMDU e Conselho Municipal de Habitação (CMH) param de publicar atas das reuniões ordinárias mensais.
  • Agosto de 2023 - Conferência Municipal de Habitação aprova, com o voto de 49 dos 61 delegados, revogação imediata do artigo 152 da Lei de Uso e Ocupação do Solo e do artigo 76 do Plano Diretor que passaram a permitir alteração das ZEIS mediante pagamento em dinheiro.
  • Agosto de 2023 - Defensoria Pública do Estado requisita à Secretaria de Desenvolvimento Urbano cópia integral do Procedimento Administrativo nº 011617/2023-39.
  • Outubro de 2023 - Secretaria e CMDU promovem audiência pública para tratar da demanda da Construtora Macuco, mas não dão publicidade à ata.
  • Novembro de 2023 - Requisição de informações não é atendida e Defensoria Pública protocola mandado de segurança alegando que omissão viola garantias constitucionais de "defesa dos direitos individuais e coletivos" aos "grupos socialmente vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado"
  • Dezembro de 2023 - CMDU antecipa reunião ordinária para deliberar sobre o pedido da Construtora Macuco.
  • Dezembro de 2023 - Juíza Fernanda Menna Pinto Peres, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos, suspende qualquer deliberação acerca da transação envolvendo os dois terrenos e determina a imediata remessa dos documentos à Defensoria Pública do Estado.

NOTA DA COMPANHIA

Às 20h34, a Incorporadora e Construtora Macuco enviou nota oficial sobre o assunto. Ela nega que tem a intenção de construir condomínio de alto padrão. Segundo a empresa, nos terrenos em questão, o projeto é para a construção de áreas comerciais. Veja a íntegra da nota oficial.

1-nao estávamos projetando nada, se for liberado a área de zeis , faremos lojas para locação;

2- compramos os imóveis pela leilão do SPU.

Não negociamos nada com a PMS.

Existe uma lei aprovada pela câmara municipal, onde prevê que para desgravar de zeis, temos que pagar uma outorga onerosa.

Neste caso seria da ordem de 6.000.000,00 destinado ao fundo municipal de habitação.

A PMS tem inúmeros terrenos vazios

O que falta é verba.

Com estes 6.000.000,00 daria para fazer cerca de 60 aptos.

3- não houve nenhuma negociação a sedurb está seguindo os trâmites previstos na lei.

Vários conselhos já aprovaram a desgravação , e foram feitas audiências públicas.

Seguindo o previsto na lei.

4- a empresa vai seguir a orientação e a decisão que for dada.

A decisão não suspendeu tudo, deu uma liminar para que não fosse votada na data prevista e solicitou toda a documentação.

5-É totalmente leviano a afirmação que iríamos fazer condomínios de alto padrão.

A região é estritamente comercial.

Único empreendimento feito naquela região da Ana Costa , foi concluído a quase 10 anos e ainda tem apartamentos a venda.

Portanto não teríamos lucro e sim prejuízo.

6-a empresa não foi citada, o processo continua no âmbito interno da PMS.”