Cada pessoa possui uma luz que pode reluzir em pequenos gestos ou grandes feitos
por Marlene Polito
Publicado em 31/12/2024, às 11h05
Na varanda, procuro encontrar os vestígios da mata e do rio que me encantaram na infância. Está escuro, noite de lua cheia, e meu coração só se acalma com a presença de meu avô e de seu inominável cachimbo com fumo de rolo.
Ele ri quando me diz que às vezes as rãs chegam ao casarão, e eu me assusto. É ecologia demais para eu administrar. O ar sopra entre as folhas, grilos e outros insetos criam uma sinfonia desconcertante, e tudo me parece justo e certo. Há paz.
De repente, vejo uma luzinha no meio das folhas. Outras surgem: no capinzal, entre as hastes das taboas, nos carrapichos e picões. Pequenos pontos brilhantes dançam no ar. E tudo ganha vida, cor, um novo espaço, outro tempo – vagalumes acendendo estrelas!
Boquiaberta, vejo meu avô sorrir. “Luz é tudo na vida da gente.” Diz ele, e novamente se cala.
Fiel à minha natureza inquisidora, pergunto por que a dança luminosa parece mais mágica do que científica. E a resposta vem em termos simples demais: “No corpo deles, as enzimas produzem uma reação química que transforma energia em luz. Chamam isso de bioluminescência. É um milagre da natureza. Para o vagalume, essa luz é sobrevivência – atrai parceiros, afasta predadores e comunica com outros da mesma espécie.” Onde será que esse velho senhor aprendeu tudo isso?
Olho para ele com admiração e afeto. Professor à moda antiga e líder de toda a família, ele sempre foi uma luz. E reflito como usamos nossas "luzes" para nos comunicar, criar e deixar uma marca no mundo e nos outros.
A música dos Beatles me vem à memória. Here comes the sun ... (Aqui vem o sol ...). Escrita por George Harrison, celebra a chegada da luz após um período de escuridão, tanto literal (inverno) quanto metafórico – ele a compôs em um momento de renovação pessoal. Cantarolo baixinho; o velhinho de 96 anos dorme.
“Luz é tudo na vida da gente”?
Se acompanharmos a evolução humana, veremos que essa frase é uma verdade incontestável. A luz nunca foi apenas um fenômeno físico. É também um universo de significados culturais, emocionais e espirituais.
Luz e espiritualidade – Em muitas religiões, a luz representa divindade, esperança e salvação. No Egito Antigo, o deus-sol Rá simbolizava vida e criação, atravessando o céu em sua barca solar e renascendo ao amanhecer. A Bíblia inicia com "Haja luz”, apontando o início de tudo, e o Budismo associa a iluminação ao estado mais elevado da existência humana.
A obra “A transfiguração” de Rafael, captura o momento em que Jesus irradia luz divina, representando a conexão entre o espiritual e o humano.
A transfiguração, de Rafael (1518 -1520) / Imagem: Renacentista/ Webnode
Luz como símbolo de conhecimento e razão – Na Grécia Antiga, Platão, em sua alegoria da caverna, usa a luz como símbolo da verdade e da libertação da ignorância – um conceito que acaba se estendendo à ciência moderna. O Iluminismo trouxe “a luz da razão” contra as trevas da superstição, exaltando o conhecimento como guia da humanidade.
Luz e sombras – a dualidade humana – A luz define e dá sentido às sombras. Assim como o sol define os contornos de tudo que ilumina, nós também somos moldados pela dualidade entre luz e escuridão. Momentos de clareza, bondade ou inspiração contrastam com os períodos de dúvida, egoísmo ou dor.
Caravaggio capturou essa dualidade em Judite e Holofernes, onde o jogo de claro-escuro traduz a complexidade humana.
Judite e Holofernes, de Caravaggio (ca. 1599)
Luz individual e própria – Na contemporaneidade o valor individual é exaltado. Cada pessoa carrega uma luz única, refletindo sua singularidade e essência. Este brilho, embora indescritível, é constantemente buscado, celebrado e projetado — seja pelas redes sociais ou pelas interações do cotidiano.
Cristo, mural de Eduardo Kobra (2016)/ Foto: Reprodução/ O otimista
O olhar de Jesus, destacado por traços coloridos e intensos na obra de Kobra, irradia um tipo de luz que transcende o sofrimento. A obra destaca o poder do indivíduo de carregar esperança mesmo em meio à dor.
Uma despedida com luz
Cada pessoa possui uma luz que pode reluzir em pequenos gestos ou grandes feitos. Marie Curie brilhou ao desvendar a radioatividade; Van Gogh pintou luzes das estrelas para mostrar a beleza no caos. No cotidiano, nossa luz pode surgir no sorriso de uma criança, no conforto de um amigo ou em um gesto de generosidade.
Que, como vagalumes na noite, nossa luz continue dançando e iluminando os caminhos uns dos outros.
Marlene Theodoro Polito é doutora em artes pela UNICAMP e mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Integra o corpo docente nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. É autora das obras “A era do eu S.A.” (finalista do prêmio Jabuti) e “O enigma de Sofia”. [email protected]
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